30 outubro 2005

EUA no século 21 – a caminho da secessão?

Foi curioso, após conhecido o resultado das últimas eleições nos EUA, comparar a semelhança dos mapas dos estados republicanos x democratas com a divisão de estados na guerra civil Americana. De facto, parece permanecer bem marcada uma clivagem entre duas “culturas”, uma democrata e progressista no nordeste e na Califórnia e outra republicana e conservadora no centro e no sudoeste. Mas há outros sinais, noutros campos.

A administração Bush não quer promulgar Quioto. No entanto, nove estados da costa leste decidem, voluntariamente, implementar medidas de redução das emissões de CO2.

A Administração Bush propõe nova regulamentação sobre taxas de combustíveis para automóveis em função do consumo. O objectivo é melhorar a eficiência do parque automóvel. Mas, dentro dos 10 automóveis mais económicos vendidos nos USA, que com os ex-equo ficam em 16, há apenas dois de marcas americanas. A legislação é desenhada para beneficiar os grandes SUV’s e pickups dos construtores americanos Ford e GM, cada vez a perderem mais quota de mercado, a piorarem os seus resultados e com mais dificuldades em refinanciar a sua dívida. A proposta entra em conflito com as regulamentações da Califórnia, mais exigentes. E alguns estados do nordeste prevêem seguir a Califórnia, desafiando a administração central...

28 outubro 2005

Ainda Antero...

Na sequência da leitura da “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, que me sugeriu uma entrada anterior aqui no Glosa Crua , resolvi revisitar a biografia de Antero de Quental. E, confirmei a minha inquietação. Antero tinha uma enorme capacidade intelectual, curioso, interessado por tudo, com grande acutilância de visão sobre o mundo que o rodeava, com excelente capacidade de diagnóstico e de expressão. Mas....

Mas, retirando a obra literária e sua influência sobre um meio restrito, a realização de Antero é infinitamente inferior ao que a sua personalidade e capacidades poderiam fazer prever. Não diria nula, mas quase...

Antero insurge-se, e muito bem, contra a ociosidade da fidalguia em detrimento de um esforço sustentado de criação de riqueza. No entanto, que projecto levou ele a termo com sucesso?

E, aqui, acho que reside um problema intrinsecamente português. Curiosidade ampla, análise fina, crítica acutilante mas... incapacidade de planear e de realizar....incapazes de, a partir de um dado momento, suspender os “mas”, definir claramente o caminho, assumi-lo e ir até ao fim.

Outro problema aparente, que não diria tipicamente português, é a incoerência. A facilidade e a desenvoltura com que se critica as nódoas na roupa do vizinho, tendo a nossa própria camisa suja.

24 outubro 2005

Por fora da luz



Para lá da nossa luz?
Desconhece-se, nem se imagina.
O lugar mais escuro? Por baixo da luz?
O lugar melhor compreensível? Por fora da luz?

23 outubro 2005

Claques e torcidas


Notícia de primeira página na “Folha de S. Paulo” de 19.10.2005.

São Paulo e Ponte Preta jogam hoje em Campinas sob o temor da onda de violência que matou três torcedores desde domingo. Em um dos casos, são-paulinos espancaram até à morte um torcedor da Ponte.
O jogo é um dos remarcados devido às fraudes no Brasileiro. A partida anulada fora vencida pelo Ponte (1 a 0). [...]
Os torcedores mortos foram enterrados ontem, em clima de revolta. As torcidas organizadas podem ser proibidas de usar suas camisas (trad. camisolas).

Isto pode ser visto como uma boa notícia para nós: as nossas claques não chegam a este ponto!

Ou como uma má: aonde isto pode chegar...!

20 outubro 2005

Cataratas da Foz do Iguaçu




Já tinha ouvido falar, já tinha visto em fotografia e até mesmo em filme. Apesar disso, não consegui prever a sensação que me provocou assistir a tão intenso e brutal espectáculo natural.

Passei lá num período de grande caudal. É difícil transmitir por palavras ou imagens a impressão causada pela vista do avassalador jorro da água ao longo de quilómetros de largura, o som grave omnipresente e ininterrupto e a humidade intensa levantada na base da queda. Humidade que tapava mesmo a vista da “Garganta do Diabo”, envolvendo o cenário numa bruma pesada e que, mais próxima, se transformava numa espécie de chuva louca... Nunca assisti ao vivo a uma erupção vulcânica mas as quedas de Iguaçu fizeram pensar num vulcão de água.

Não, não é de descrever. É de ficar respeitosamente parado, em profunda reverência por tão arrasadora demonstração de poder da natureza.

19 outubro 2005

Os eleitores e a mudança...

Porque será que os eleitores são tão avessos à mudança quando se trata de autárquicas e tão prontos a “alternar” quando se trata de legislativas?

De uma forma geral, a mudança de um presidente de câmara só ocorre quando há um historial bastante mau ou quando o “desafiador” é mesmo uma estrela. Desde que o presidente em funções tenha um desempenho mínimo, a reeleição parece garantida.

É evidente que em muitos municípios, principalmente no interior, a câmara é um grande empregador e um pivot de grande parte da actividade económica local. Mas, será que o estabelecimento da “teia de interesses” com a administração local por parte das forças vivas, é suficiente para mobilizar tanto eleitorado? Se for assim, é extraordinariamente preocupante.

Quando vemos a facilidade com que o governo em funções é capaz de cair em intenções de voto, à mínima contrariedade, à mais pequena escorregadela, à primeira medida impopular, não deixa de surpreender a diferença que se regista com as autarquias.

Bom... os autarcas não tomam nem assumem medidas impopulares (para lá de raras excepções, das quais destaco Rui Rio). Também não parecem ser responsáveis/responsabilizados pelas asneiras que fazem. No entanto, se falarmos somente em urbanismo, já temos pano para muitas mangas...

É curioso comparar ainda a forma como a comunicação social e a opinião pública reagem, e muito bem, a nomeações de “amigalhaços” na administração central com a aparente resignação com que se encara o que se passa no poder local.

Em resumo, creio que os autarcas não são suficientemente avaliados nem responsabilizados pelo eleitorado. Pode ser por deficiente cobertura da comunicação social, pela simples e clássica resistência à mudança - “Este, já conhecemos, o outro pode ser pior....”.- ou por reflexo de defesa tribal e autismo bairrista... “olha olha!! Vêm agora aí uns palermas de fora criticar um dos nossos. Fará algumas asneiritas sim... mas quem há quem as faça ainda pior, há sim senhor! E, ao menos, deixa obra!!”

Mesmo quando, nos casos limites, entra a responsabilização criminal, os eleitores continuam a identificar-se com a “gente da terra”, conforme se verificou nas últimas eleições. Estranho....e com péssimos resultados bem à vista.

17 outubro 2005

Sinistralidade rodoviária. Legislação ou formação?

De acordo com os números divulgados recentemente, o novo código da estrada fez aumentar as multas mas não diminuiu a sinistralidade. Para mim, isto não constitui surpresa. Creio que uma boa parte do problema não está na legislação mas sim na formação e na consciencialização.

Por exemplo, muitos acidentes graves por despiste em IP’s de montanha, são provocados por simples inaptidão e falta de preparação dos condutores. Não sabem conduzir. Não sabem que naqueles declives, em piso molhado, uma travagem fora de sítio ou um golpe de direcção podem ser suficientes para desequilibrar o automóvel, mesmo não estando em excesso de velocidade. E isso não se resolve com legislação.

Outro exemplo sintomático, é a utilização dos coletes reflectores. O pessoal até aderiu bem e acha “catita” envergar o dito cujo, até mesmo nas costas do banco. Mas.... quantas vezes se vê a família à volta do carro; o condutor com o colete obrigatório e os demais sem colete, porque não é obrigatório. Já me ocorreu ver um colete a mudar um pneu quase completamente escondido por pares de pernas em redor. Estranhamente, o pessoal não sabe, nem pensa, que, se o colecte é obrigatório, é porque é extremamente perigoso estar no exterior do automóvel, na estrada, e, se for mesmo necessário estar, o colete ajudará a ficar mais seguro.

Aprender a conduzir, no léxico oficial, equivale a saber de cor pesos, dimensões e outras coisas de utilidade muito questionável relativas a veículos que nunca se conduzirão. A perícia na condução é medida pela capacidade de estacionar e fazer inversão de marcha sem tocar no lancil do passeio. Depois, há os que são melhores ou piores autodidactas; que têm maior ou menor sensibilidade; que têm sorte, ou não.

As revalidações da carta de condução são meras formalidades administrativas. Que tal um pouco de formação contínua obrigatória?

14 outubro 2005

Eu diria que algo não bate certo...



Por vezes há coisas que nos confundem.
Em que algo nos diz que não está bem assim....
Não bate certo...

Felizmente, há outras coisas, espetadas no chão, para ajudar a situar a questão...

13 outubro 2005

E ainda... Brel

Quando, há cerca de 12 anos, peguei em armas e bagagens para me instalar na Bélgica, para uma “comissão de serviço”de uns anos, esse país tinha, para mim, dois “B”s associados: Bruxelas e Brel.

Tendo-me instalado num meio principalmente flamengo, desde logo me surpreenderam algumas respostas à minha curiosidade sobre o significado de Brel para eles. Respostas evasivas. “Sim... Brel... pois... acho até que temos lá em casa um disco dele”. Não conseguia entender como, para a dimensão de Brel e o seu impacto na cultura do país, se podia falar dele como se de alguém datado, que tivesse tido um sucesso numa dada altura, e de quem ficou um álbum no armário.

Polémico sim, de gostar ou de detestar, ou, quando muito, de desconhecer... mas nunca de referir superficialmente. Posteriormente aprendi que a separação, sem coragem para divórcio consumado, entre Brel e alguns flamengos, se deveu ao corrosivo “Les Flamingants, chanson comique” do “Les Marquises”. Depois da anterior brincadeira sobre uma certa “limitação de vistas” do “Les Flamandes”, Brel não teve meias-palavras para arrasar um espírito mesquinho e hipócrita daqueles que eram “nazis durante as guerras e muito católicos no intervalo delas”.

A resposta a esta provocação foi o tema ter sido censurado pela rádio pública flamenga e, muitos flamengos, terem escondido os álbuns lá para a parte de trás do armário... sem coragem para os deitar fora, nem para manifestar frontalmente o seu desagrado.

Provaram que Brel tinha razão.

11 outubro 2005

E ainda música, e ainda Brel



A referência da semana passada a J. Brel, fez-me ir consultar, uma vez mais, o livrinho que veio com a minha caixa de CDs da sua obra completa. E cito, em tradução livre, sem quase nada acrescentar, excepto uma referência à extraordinária beleza de LE BON DIEU.

[...]
Brel abandona-nos definitivamente, parece. Ele mostrará, no entanto, L’HOMME DE LA MANCHA, alguns meses mais tarde, onde LA QUETE, parece resumir toda a sua vida. Mas brevemente saberemos pelas revistas indiscretas que ele partiu para se perder entre o céu e a água nas ilhas do sol. Rumores de doença, imprecisos e mal desmentidos, correm. Várias vezes se anuncia a sua morte. Depois o silêncio acabará por cair sobre esta agitação e, pouco a pouco, as notícias são cada vez mais raras.

[...]
E depois, no Outono de 77, a notícia cai, sem que se saiba muito bem se se pode acreditar mesmo nela, as decepções após as esperanças muito vivas são as mais dolorosas: Jacques Brel está em estúdio a gravar um novo disco.
Raramente um acontecimento discográfico foi tão aguardado. Um milhão de pré-encomendas [...] As pessoas fazem fila na rua como para comprar pão em tempo de guerra. Algumas discotecas afixam mesmo na montra “Brel esgotado”, quando o álbum ainda não sequer saiu. E, brevemente, em centenas de milhares de pratos, um disco de vinil negro, pejado de palavras que entopem a garganta. Uma voz vinda de tão longe (no sentido tanto geográfico como humano), que subitamente nos pede contas sobre a morte JAURES, nos fala da de JOJO e do insuportável sofrimento de VOIR UN AMI PLEURER ou um casal acabar em cinzas (ORLY) [...]

Um disco em que se sente a cada instante a urgência de arrancar ainda algumas palavras à morte que avança, antes se sair do jogo “por decisão do árbitro” (VIEILLIR).

Um disco, enfim, após o qual um homem só se pode calar. Definitivamente. Depois de ter parado com uma palavra as lágrimas daqueles que, daí em diante, deverão aprender a seguir de pé sem ele.

“Veux-tu que je te dise
Gémir n’est pas de mise
Aux Marquises"


* foto da capa do albúm "Les Marquises"
Continua...

07 outubro 2005

Pragmatismo eleitoral ou falta de seriedade?

Se os “quatro magníficos” ganharem as eleições em Gondomar, Felgueiras, Amarante e Oeiras, será mesmo uma surpresa? Seguramente será uma vergonha, mas, se eles foram escolhidos e protegidos até agora pelos partidos, não terá sido precisamente pela sua capacidade de ganhar?

Ou já nos esquecemos, nas últimas autárquicas, da distracção do PS que insistiu em apostar em Fátima Felgueiras quando todos os indícios apontavam para a prudência da sua exclusão? Ou do autismo do CDS/PP que nunca se preocupou com o comportamento do seu autarca do Marco, desde que ele ganhasse as eleições. Ou o PSD? Que esperaria ele quando lançou Valentim Loureiro, para já não falar no seu indescritível João Jardim....?

Para além deste “pragmatismo” dos partidos existe algo mais a assinalar que é o “pragmatismo” do eleitorado. Quando confrontados com dúvidas quanto à seriedade dos candidatos, afirmam que isso não é demasiado importante, desde que a “terra” beneficie com a sua “obra”. Estou mesmo a ver o Sr. Ruas a vir à praça, com modos de virgem ofendida, defender a sua corporação...

Eu acho que tudo isto não é pragmatismo. É falta de princípios. Um pouco como eu dizer que não me importo de ter um sócio desonesto, desde que eu tenha algo a ganhar com isso. E quero acreditar que a falta de princípios sãos se paga sempre, mais cedo ou mais tarde.

E, já agora, que se veja em detalhe a origem do financiamento destas campanhas. Se a dos partidos já tem muito que se lhe diga, estas então....

06 outubro 2005

Ainda a música e o mundo ...

Estará quase a fazer um ano que recebi a visita inesperada dum argelino, num dia em que, por mera coincidência, no automóvel tinha a rodar um CD do argelino, Cheb Mami. A surpresa do visitante foi enorme e ainda aumentou quando lhe manifestei a minha admiração pelo “seu” Albert Camus. Uma semana depois, recebi uma encomenda da Argélia com 4 CD’s, 1 DVD e dois romances, tudo de produção Argelina.

Para retribuir o gesto simpático procurei uma pequena amostra da nossa música. No capítulo da de raiz tradicional, encontrei, por puro acaso, um disco chamado “Segue-me à capela”. Um simples disco, edição de autor, em que 7 vozes femininas e pouco mais revisitam temas principalmente tradicionais de uma forma extraordinariamente bela, singela e profunda, pura e rica.

A música tradicional é talvez um dos domínios em que é mais evidente a nossa raiz multi-cultural e em que essa raiz se mantém firme e inabalável. Antes de ter sido redescoberta nos finais de 70, inícios de 80, andou escondida durante muitos anos sob o manto redutor e, muitas vezes, deturpador da “folclorite”. Quem ouviu não esqueceu uma “Charamba” da Brigada Vitor Jara ou uma “Tirana” dos Almanque ou, noutro contexto, o Júlio Pereira que com um simples disco fez mais pela reabilitação e promoção do cavaquinho do que 50 museus e 10 ministros juntos. Uns anos largos passados sobre essa fase, são bem-vindas novas lufadas de ar fresco como este “Segue-me à capela” para nos recordar e reavivar um pecúlio em que somos inquestionavelmente muito ricos.

Como dizíamos no lema de uma colectividade destas andanças em que estive envolvido há uns bons anos: “património cultural é a memória de um povo” (um bocadinho redutor, frase feita, gasta, usada e abusada por muitos anos de uso e etc, mas com um fundo inquestionável...).

Curiosidade final. Quando, mais tarde, tentei comprar alguns CD’s das “Segue-me à capela” para oferecer numa visita à Tunísia, a Fnac já os tinha retirado, trocados talvez por umas “Marisas”. Tive que os pedir directamente ao grupo.

03 outubro 2005

Música no mundo

Gosto bastante de música, mas, frequentemente, sofro de um problema de excesso de expectativa.

Vejamos alguns exemplos e começando pela anglo-saxónica, onde, como já me disseram, o meu desfasamento não se mede em anos mas sim em décadas. Depois dos gloriosos 70’s dos Pink Floyd e Genesis/Peter Gabriel, alguém conseguiu sequer chegar perto? Não, eu acho que não. Em consequência, ligo pouco ao que se faz por aí...

Música de expressão francesa. Grandes autores, grandes intérpretes. Apesar de uns trabalhos recentes com algum interesse de Alain Souchon, alguém conseguiu chegar perto sequer do grande Jacques Brel e, em particular, do seu assombroso álbum final, “Les Marquises”? Não, eu acho que não.

Música brasileira. Todo um mundo, que nós, portugueses, tivemos o privilégio de descobrir cedo. Mas... o que se faz hoje, estará ao nível daquela fase da qual destaco Chico Buarque e a grande obra “Construção”? Não, eu acho que não.

Música portuguesa. Consciente da dificuldade de ser juiz em causa própria, considero que temos um património riquíssimo e nem vale a pena debitar nomes. Mas, nos últimos cinco anos, quantos trabalhos de fôlego foram feitos que perdurarão? Excluindo talvez os inéditos de António Variações, pelos Humanos, e o excelente “Norte” de Jorge Palma, não me ocorre mais nada. Mesmo o aparentemente inesgotável Sérgio Godinho perde-se em novas versões de sucessos antigos, no que já me parece mais uma delapidação do que uma reinvenção.

Tenho buscado música por outros cantos do mundo. Das minhas idas frequentes à Argentina, há meia dúzia de anos, ficaram destacados o incontornável Piazzolla e Adriana Varela. Mas... depois da “Balada para un loco” que mais se poderá fazer? Muito pouco, acho eu.

A seguir ao Magreb, com Cheb Mami e Souad Massi, vários gregos, a Turquia com Onur Akim, chegou agora a vez dos Balcãs. Comprei dois CD’s, de Goran Bregovic e Boris Kovac. Bom, muito bom mesmo. Ainda bem que existe tanto mundo. Mas.... depois da fabulosa “Ballads at the end of time” do segundo, se calhar vai ser difícil encontrar melhor....