29 dezembro 2008

Vidas Novas

O ano de 2009 irá começar com a palavra crise a ornamentar todas as notícias. Basicamente isto aconteceu porque do outro lado do Atlântico uns espertos acharam que se pode gastar mais do que o que se ganha, bastando encontrar sempre crentes prontos para comprar promessas. Também não ajudou muito que outros grandes espertos tenham gerido empresas pensando exclusivamente nos objectivos do próximo trimestre. Há coisas importantes que pedem mais tempo, e, como exemplo, compare-se a Toyota com a General Motors.

Ao entrar em 2009, gostaria de referir algo que é do futuro, mas não exclusivo de um horizonte de 12 meses: a formação e o ensino. Anda o governo muito contente com os exclusivos Magalhães e a melhoria das estatísticas; andam os sindicatos muito contentes por terem nas mãos uma bela luta mediática e andam os professores muito confusos a ver o seu mundo a mudar e sem perceberem muito bem como e para onde.

E, depois, há os alunos. Que já descobriram que não precisam de se esforçarem para procurar aprender porque tudo será feito para lhes facilitar a vida e evitar traumas psíquicos e estatísticas vergonhosas. Imediatistas da famosa frase: “Para que é que isto serve?!?”, usada e abusada para tudo o que não é de utilidade óbvia dentro das próximas 24 horas. E há alguns pais que acham que a escola está lá para trabalhar e para “resolver” tudo. E há também uns idealistas igualitaristas que consideram igualdade de oportunidades sinónimo de uniformidade de curricula e de exigências, forçosamente nivelados por baixo.

E, um dia, esta geração entrará no mercado do trabalho, não necessariamente em 2009. E será necessário saberem muitas coisas que não pareciam obviamente de utilidade imediata quando as deviam ter aprendido. E pior do que, por exemplo, não terem aprendido a escrever decentemente, será não saberem aprender. Não terem o hábito do esforço e do sacrifício. E quando descobrirem que já não basta escrever o próprio nome correctamente para já ficarem perto dos mínimos; quando descobrirem que o mundo lhes pedirá impiedosamente exigência e rigor, concluirão não estarem preparados. E quando virem os horizontes curtos caindo-lhe em cima dos pés, revoltar-se-ão por lhes terem mudado as regras do jogo. E quando isso acontecer será feio e os responsáveis somos nós hoje.

24 dezembro 2008

Solstício de Natalidade



A história de Natal foi colocada neste solstício. Em que os dias começam a crescer (e que me desculpe o hemisfério Sul).
Marca de nova gente e de novo caminho a percorrer.

17 dezembro 2008

E se não fosse apenas uma questão de mais gastar?

O mundo chamado ocidental habituou-se a gastar. Os economistas acham bem porque o consumo é motor do desenvolvimento económico. Agora, se os produtos a consumir têm maioritariamente matéria-prima directa e indirecta (como a energia) e produção externas, consumir começa a resumir-se a comprar o que chega dentro de contentores marítimos e pagar a respectiva factura! Depois dos plásticos, da metalomecânica, do têxtil e vestuário, dos electrodomésticos, da informática e, agora também, da própria indústria automóvel passarem para o outro lado, onde vamos gerar valor para pagar a dita factura do consumo? Apenas aos serviços e à “engenharia” financeiros?!? Não chega, é necessário pedir emprestado.

A “engenharia” da valorização em espiral dos imóveis ajudou os consumidores a pedirem emprestado e a gastar. Os bancos acreditaram/promoveram e cavalgaram a espiral. E a economia foi “crescendo” até à espiral parar. Depois dos consumidores falidos, dos bancos falidos/à beira da falência, vêm os estados ajudar a economia, endividando-se, para injectar dinheiro para investimento e, subentende-se, para o consumidor recuperar a confiança e voltar a gastar. Depois de esgotada a dívida das famílias a salvação virá do endividamento público.

Bom, governar é certamente intervir fortemente quando é necessário. Agora, o que me parece é que se o Ocidente não revir fortemente a sua posição na cadeia de valor da economia real (a única sustentável), e continuar nesta de consumo por dívida, vamos voltar a estourar e de cada vez com maior intensidade. Proteccionismo em legítima defesa, mais ou menos disfarçado, quando está em causa a sobrevivência económica e a coesão social não será certamente uma hipótese a excluir. Alguém está a ver a produção automóvel a sair de França, Alemanha ou mesmo Itália? Vai uma aposta? E porquê apenas o automóvel e apenas nesses países?

14 dezembro 2008

E a Grécia aqui tão perto


Geograficamente a Grécia não está muito perto de Portugal mas o fundo dos acontecimentos lá em curso, terríveis pelo seu significado, pode estar mais próximo do que se imagina. Uma geração descrente no seu futuro, na justiça e na seriedade que quem a governa, descola do “sistema” e vem agressiva para a rua protestar e quebrar o que lhe apetece.

A oposição grega, se começou por manifestar alguma compreensão, na expectativa de lhes sobrarem alguns créditos, já deverá estar arrependida. E arrependida porque obviamente este descalabro é destruidor do sistema e, para os contestatários, a oposição não é mais do que um espelho do governo. Infelizmente a corrupção não tem cor, é apolítica.

Nas mãos de um ocasional vizinho de viagem um “Liberation”, muito “comprometido” (para não dizer “engagé”) com estas lutas”, fazia dos jovens gregos quase uns heróis. Questiono-me sempre se estes “solidários” continuariam assim tão solidários se um dia vissem o seu automóvel incendiado ou a sua loja saqueada por esses heróis.

Quando a situação económica contrai e a descrença no amanhã se planta funda e larga, a irracionalidade cresce. “Se está destruído para mim, que fique destruído para todos”. Se nesses “todos” estiverem oportunistas e desonestos em vida farta e negociatas impunes, o desesperado sentir-se-á adicionalmente roubado e terá um argumento “racional” de suporte para os seus actos.

Em Portugal estamos a encolher e com uma percepção pública do facto como não existe paralelo há muito. Que pensarão os potenciais “demitidos do sistema”, frustrados e defraudados sobre, por exemplo, o caso BPN? E que pensarão quando o outro lado do espelho aproveita para tentar capitalizar, ignorando os seus telhados de vidro? O BPN e demais derivas, independentemente da cor das mesmas, são um problema de justiça. Se a justiça não funcionar, transformar-se-ão num problema de sistema e, com os demais ingredientes presentes, num possível descalabro social.

PS: E vamos fazer de conta que não ouvimos aquela do Dr Almeida Santos sobre os deputados, suas faltas e justificações? É que, se ouvimos e ele pensou no que disse, estão mesmo, mesmo a pedi-las porque. Dificilmente poderia ser pior!!!
Imagem googleada de info.rsr.ch

12 dezembro 2008

24 horas em Teerão (II)



A zona industrial a oeste de Teerão impressiona pela dimensão e por uma imprevista indústria automóvel. Não sei que rentabilidade terá mas entre Peugeots mesmo Peugeots e outras marcas ?Saipas? Khodros de aparência estranha e que me contaram terem muito de francês por dentro, o parque parece ser mesmo de origem local. Ao fim e ao cabo foi um avião de Air France que trouxe o íman Khomeny do exílio para aqui para despoletar a grande revolução. Esse agora repousa num impressionante mausoléu bem visível para os visitantes que vão do novo aeroporto para a cidade.

Nota dissonante para a escassez de postos de abastecimento, com filas a estenderem-se por vários quarteirões. Uma hora de espera é normal para encher o depósito.

Passo ao lado os detalhes profissionais da visita, que não cabem aqui, para saltar directamente para o jantar em restaurante típico com música ao vivo. De um lado um grupo a celebrar um noivado. Gente dos 20 aos 60 todos impecavelmente produzidos. Elas naturalmente mais do que eles. Uns penteados alto estilo anos 60 (tipo Sofia Loren?), com o lenço obrigatório, mas assim do alto da cabeça apenas para trás, deixando ver o cuidado penteado. Por vezes escorregavam para a nuca ao abanar a cabeça com a música mas sem perder nunca a postura. Desta vez uma singela cerveja sem álcool e sem gosto a limão e a perplexidade de como pode esta gente ter os líderes que se conhecem.

Regresso ao aeroporto atrasado porque a chuva tinha empoçado as estradas e provocado um acidente a quem nos vinha buscar. Só tivemos que esperar que ele próprio arranjasse o carro e lá seguimos apenas com um farol e o lado direito à frente bastante amassado. A viagem é feita entre o chuveiro de cima da chuva, de baixo da água das poças pisada e do lado, dos camiões ultrapassados. Somente uma vez um deles resolveu fazer uma inversão de marcha na praça da portagem, criando alguma emoção. No final a minha mochila na mala também tinha tido chuveiro. Até à vista Persas.

08 dezembro 2008

24 horas em Teerão (I)

Uma estadia desde as 3 da manhã de um dia até à mesma hora do dia seguinte é muito curto para avançar com juízos sobre um país que se visita pela primeira vez, para lá daquelas peripécias que quando se vivem num local pela primeira vez têm sempre mais impacto. Tentemos...

Até agora conhecia dois tipos de vistos de entrada num país: os personalizados que são emitidos previamente no país de origem e os simples selos comprados à chegada. No Irão são personalizados e feitos à chegada. Levanta impresso, preenche impresso, paga impresso e …”espere que eu o chame!!!”. Tivemos sorte pois fomos os segundos de um grupo de 20 e só esperámos pouco mais de uma hora.

O grande Teerão actual foi desenhado previamente em folha de papel. Em 10 x 10 km, dizem, as avenidas, vias rápidas e auto-estradas cruzam-se e descruzam-se sobre 13 milhões de almas, a desorientar qualquer um. O hotel inserido num complexo desportivo de vários hectares tinha, às 4horas da manhã, a bela notícia de ter transformado dois quartos singles num único duplo!

Após uma noite de sono muito curta o transporte chega uma hora atrasado. Se o soubesse previamente, teria dormido mais 25% de tempo! Durante essa espera dá para observar um movimento de chegada de congressistas e, se não sei classificar o estrato social relativo em que se inseriam, uma coisa é certa: de toscos não tinham nada, mas mesmo nada. Um olhar para o mapa e dá para entender. Até Vasco da Gama ter trocado as voltas, este corredor entre o mar Cáspio e o Golfo por eles baptizado foi durante muito tempo o grande cruzamento das rotas entre a Ásia, África e Europa e esse ver passar meio mundo deixa marcas.

O almoço é acompanhado por um espumante local não alcoólico que, prometendo ser o céu, me faz suspirar pelo inferno. A alternativa era uma cerveja sem álcool com sabor a limão que, segundo um colega de viagem, fazia lembrar o Sonasol… (!)

(continua)

04 dezembro 2008

O país do brando clima

Antes do advento das máquinas de fazer neve, dizia-se com ironia que a Serra da Estrela não era opção para praticar desportos de inverno porque na maior parte do tempo não tinha neve suficiente e quando a tinha a estrada de acesso fechava.

Não somos um país que conviva com neve frequentemente, obrigando a uma organização eficaz nesse campo, mas, nas vezes em que ela aparece, demonstramos uma deficiência deplorável.

Um caso concreto. No passado sábado dia 29/11 houve gente bloqueada no IP4 entre Amarante e Vila Real por mais de 7 horas. Os nevões são relativamente previsíveis. Para um eixo da importância do IP4 deveria ter sido realizada uma acção preventiva espalhando sal. Sem isso, ao começar a nevar com intensidade, sem a estrada estar preparada, deveria ter sido imediatamente cortada e não somente apenas após ficar repleta de veículos encravados.

Durante essas 7 (sete) horas, ninguém de GNR, Protecção Civil ou Bombeiros deu o mínimo apoio aos bloqueados: têm combustível suficiente para manter o motor em funcionamento e o veículo aquecido? Têm que beber? Têm que comer? Nada! 7 horas é muito tempo e este abandono dos cidadãos à sua sorte nestas condições é coisa de terceiro mundo.

No final, os bombeiros aproveitam para referir a sua crónica falta de meios. Sem questionar a abnegação e o esforço desses homens, interrogo sim o planeamento das suas aquisições. Quando se vê quartéis tão recheados, por vezes tão próximos e até em ligeira “concorrência”, fica a dúvida se existe alguma coordenação. E o exemplo de não possuírem aparelhos GPS parece muito mais um problema de gestão do que de disponibilidade de recursos.

02 dezembro 2008

Bibliotheca Alexandrina

Alexandria é um daqueles nomes “clássicos” que ecoa muito forte: o meridiano centro do mundo, dividindo a Europa da Ásia, o farol e juntando a palavra biblioteca fica a magia completa.

Uma recente viagem para aqueles lados deu direito a uma breve passagem pela nova “Bibliotheca Alexandrina”, pelo simples preço de adiar o almoço das 16 para as 17 horas. O edifício é simplesmente fabuloso. Aliás, um pouco à imagem do Guggenheim de Bilbao, corre-se o risco de se gastar a atenção toda na construção e esquecer o conteúdo.

Bom, no que diz respeito ao conteúdo recomendo um passeio por http://www.bibalex.org/, uma vez que eles apostam fortemente no conteúdo electrónico e na disponibilização on-line.

Uma nota … de sei lá o quê… Numa das zonas de PC’s algumas manchas negras, aparentemente jovens, daquelas que nem sequer a pele das mãos pode ser vista, tudo devidamente coberto por pano preto, consultavam afincadamente o que o visor lhes contava e tomavam nota num papel branco contrastando com as luvas negras. Que buscavam? Que saber? Poderiam buscar todo o saber que quisessem? Poderiam interrogar o mundo em toda a sua latitude? E, se o pudessem, continuariam por sua vontade sendo “manchas negras? Uma figura daquelas circulando limitadamente pela rua, bem guardada pelo marido e envolvida na creche própria é “normal”. Ali, na Biblioteca Alexandrina, afincadamente procurando sei lá o quê, parece estranho. Talvez por isso de todas as fotos que intimidado tirei, nenhuma teve a serenidade para obter uma imagem clara. Todas ficaram pouco nítidas!

27 novembro 2008

Mas, mesmo aqui


Na galeria dos meus escritores de eleição esteve, está e estará Fiodor Dostoievsky. Chegou a estar no top 3 mas já não faço mais essas contabilidades detalhadas. Surpreendeu-me e surpreende-me como a mais de um século de distância os seus dramas continuam a ser tão actuais. Bom… pensando melhor e enchendo o peito de ar: a altura das saias sobe e desce, a forma dos colarinhos das camisas muda, mas no fundo e por trás de tudo isso, as misérias e grandezas da condição humana são intemporais e intemporais serão também as suas autênticas pinturas.

O herói de Dostoivesky é um nobre arruinado ou arruinando-se. Com tanto de quase tudo, teoricamente mais do que suficiente para um brilhante sucesso, mas passa ao lado de tudo e tudo desdenhando. Tipicamente suicida-se. Stravoguine deixa na mensagem final: “Mas, mesmo aqui, não pude odiar ninguém”. E, obviamente, aqui, em qualquer lugar e em qualquer tempo, odiar rima e rimará com amar. Com o grande desprendimento de quem nada agarra, dá tudo o que tem por nada. Desiste da forma mais completa possível: limpando o mundo e limpando-se a si.

A personagem de Dostoivesky é altamente improvável em termos não ficcionais, pelo menos daquela forma. Há o simulado que como conta Pessoa, e cito de memória, “num grande gesto magnânimo, dá ao primeiro mendigo que encontra tudo o que tem na algibeira, … mas apenas na algibeira onde guarda menos dinheiro… não sou parvo nem nenhum romancista russo”. Ou seja uma espécie de duplo falhado. Desistindo de desistir. Pretendendo possuir a grandeza de estar noutra escala de valor, onde o que vale para os outros para o próprio é indiferente, mas, no fundo, com um medinho, incoerente é certo, de perder o que não devia valer.

Stravoguines verdadeiros existirão então poucos ou nenhuns, mas quantos não há que sobem sorrateiramente ao sótão da solidão e que, em vez de passarem uma corda pelo pescoço, simplesmente fecham a porta e apagam a luz?

22 novembro 2008

Ainda a essência da avaliação

Quando aqui atrás referi parecer existir algo de errado na contestação dos professores e que o importante era encontrar-se a humildade necessária, dos dois lados evidentemente, para ultrapassar a questão, o desenvolvimento recente só o confirma.

A ministra deu um passo e recuou nalguns pontos. Para não perder a cara disse que se mantinha o essencial. Obviamente que os sindicatos poderiam ironizar e passar por cima dessa “opinião” paliativa. Que diz o Sr. Mário Nogueira, que está prestes a substituir o Sr. Picanço no topo dos meus sindicalistas mais queridos? Que, como a próprio Ministra reconhece que a essência não mudou, a luta continua. Não vi em lado nenhum nada de concreto e objectivo do tipo: “estamos de acordo com estas alterações mas deve-se acrescentar ainda esta, aquela e a outra!”. Não! É uma questão de essência e começa a cheirar que a essência é mesmo o princípio da avaliação em si.

Ou seja, os professores querem e aceitam serem avaliados, mas apenas pelo modelo que eles próprios definirem. O próximo passo neste processo será os alunos exigirem, e obterem, que eles também apenas sejam avaliados pelo processo que eles próprios definirem… Será isto a essência da democracia?

19 novembro 2008

Democracia, disse ela?

Muito recentemente contava eu aqui que o silêncio era de ouro e que Manuela Ferreira Leite parecia ter começado a delapidar o seu tesouro. Acertei mais do que imaginava.

Esta do interregno não democrático de seis meses vai-lhe custar muito caro. Aquela malta não perdoa. Mesmo pensando igual ou pior, afirmá-lo em público é pecado capital, sujeito a um coro de castigo a todas as vozes possíveis e imaginárias.

Um regime democrático não pode ser suspenso assim mas o equívoco, penso eu, está no que MFL quis dizer com “democracia”. Se “democracia” é equivalente a toda a hora e a todo o momento não contrariar a opinião da maioria da população, então realmente teremos um grande problema. Aliás, vivemos recentemente um exemplo desta “democracia”: António Guterres. Guardo a imagem anedótica, mas representativa, de um “Contra-Informação” em que o Tonecas, desesperado com a polémica do nome a dar à futura ponte Vasco da Gama, decide fazer não uma mas várias pontes, uma por cada nome proposto, para ninguém ficar triste.

No outro extremo, se um governo democraticamente eleito, dentro do seu mandato, tiver uma política que desagrada a uma larga maioria da população estará a ser “anti-democrático”? Acho que não e este é um aspecto muito sensível. É que para fazer algumas coisas importantes pode ser necessário contrariar a opinião da maioria.

A história está cheia de exemplos de grandes iniciativas e de brilhantes inovações realizadas em “contra a corrente” e cuja real importância e impacto só mais tarde se revelaram. Se os timoneiros deste mundo tivessem sempre alinhado pela “maioria”, hoje estaríamos significativamente mais pobres em várias dimensões. Já quatro séculos atrás Camões nos brindava com a imagem do Velho do Restelo.

E não estou a insinuar que vivemos em Portugal um momento em que uma liderança brilhante e esclarecida está a ver e a seguir um caminho que o povo não entende. O que é claro é que vivemos um tempo em que um novo “Guterrismo” conduz rapidamente ao abismo. E isto acho que o “povo” ainda não entendeu. Veremos como ficaremos quando, na consequência de um PS autoritário e um PSD inconsequente, o Bloco de Esquerda entrar no governo. Vai ser uma “festa”!

16 novembro 2008

Já chega, não?

Eu, e muitos outros creio bem, já não tenho pachorra para seguir o “conflito” dos professores. O que está a acontecer é uma tentativa de mudança organizacional de um grupo bastante horizontal, “professores há só uns”, para uma estrutura com alguma hierarquia e de uma fase em que a “evolução na carreira” era feita escolhendo individualmente algumas acções de formação mais ou menos simpáticas para uma gestão de desempenho e de desenvolvimento estruturada. Está em causa sair de uma zona de conforto e a reacção à mudança é típica e previsível, sendo que o rigor na condução desse processo é a única forma de ele não se desfigurar completamente em três tempos.

Não sei dizer o quão perfeito ou deficitário é o modelo contestado. Só me parece que com tanta gente organizada e esclarecida era mais produtivo avançar com sugestões concretas e completas de revisão incremental ou radical do que este negacionismo básico que se vê pelas ruas. Sabendo todos que desde há vários anos o sistema de ensino exige claramente mudanças profundas, alguém se lembra de ver propostas minimamente consistentes e inovadoras apresentadas pela classe ou pelos seus sindicatos nos últimos anos? Não, a luta é sempre para recusar, suspender e anular. E passo ao lado daquela subtil pérola do “professores avaliados, alunos prejudicados”.

Enquanto os professores preocupados com a imperfeição do seu sistema de avaliação e sem a mínima sombra de dúvidas sobre o recebimento do seu salário no final do mês cruzam o país de autocarro e lutam na ruas com cantilenas de “hora” a rimar com “ir embora”, existem empresas que lutam por conseguir encomendas, executá-las e sobreviver com o resultado obtido; existem recém-licenciados que lutam por conseguir realizar riqueza para si e para o país; existe gente em encruzilhadas terríveis para as quais uma das suas últimas preocupações seria o trabalho burocrático ou a imperfeição da ficha de avaliação. Estes não estão em “zona de conforto” e não pretendo concluir que toda a gente deveria ir para uma zona de desconforto e de precariedade para dar valor ao que é fundamental.

O que pretendo dizer é a situação actual dessas empresas e dessas pessoas é, em grande parte, resultado do sistema de ensino. E, o que o sistema de ensino de hoje, determina fortemente o que o país vai ser amanhã. Se estamos todos de acordo sobre isso, haja humildade e acabe-se com a “festa”.

13 novembro 2008

Sonhos vão...

A palavra “sonhos” é umas das mais fortes da literatura e tão nobre e elevada que nada a belisca.
  • “Tenho em mim todos os sonhos do mundo…”
  • “ O sonho comanda a vida…”.
“Sonhar” é associado a um outro "fazer" ou, se quisermos, a um seu sucedâneo. Fala-se dos sonhos como se fossem o lugar onde conscientemente tomam forma os anseios mais fundos, os projectos mais arrojados; tudo de acordo com os mais irrepreensíveis ideais. Nessa espécie de sala de cinema fechada e privada seríamos reis de tudo o que não aconteceu no dia que terminou e previsivelmente também não chegará amanhã.

Evidentemente não tenho nada contra este contar de histórias ao espelho, onde escrevemos o guião da “vida” sem restrições e com controlo total sobre a mesma. Muito pelo contrário, quem não “sonha” e não desenha anseios nem projecta ambições é forçosamente um ser muito limitado.

Agora, o que me parece é que chamar a isso “sonho” é desadequado, pelo menos no meu caso. Para começar há aquela frase de transição entre a vigília e o sono em que as coisas correm na cabeça de forma anárquica misturando tempos e cenários, numa verdadeira senilidade temporária. Depois os sonhos quando os há e os recordo, não passam duma desarrumação de coisas que aparecem, fogem e se atropelam. Sinceramente não gostaria nada que os meus sonhos se tornassem realidade. Seria um mundo fantástico que, se tem o mérito de me surpreender com desenvolvimentos inesperados e incríveis, contrariando aquela ideia de que somos mestres dos nossos sonhos, é um contexto de uma desarrumação insuportável.

Não sei se o meu caso será raro ou único, mas para mim esta palavra tem uma deriva no significado realmente impressionante.

08 novembro 2008

Lusos Negócios


Este BPN e os seus lusos negócios fizeram discretamente um caminho, no mínimo atípico.

Com eles na primeira página dos jornais fui investigar um pouco e tentar juntar algumas peças. Em primeiro lugar encontrei aquela famosa adjudicação precipitada do Siresp (Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal) de seiscentos milhões de euros, por um governo PSD, três dias após ter perdido as eleições, à Sociedade Lusa de Negócios. O governo PS seguinte anulou o negócio e renegociou-o para 485 milhões.

O site da SLN mostra uma colecção de empresas assinalável. Parece que coleccionaram empresas como quem colecciona pacotes de açúcar, sem um fio condutor ou uma estratégia. A tal ponto que, recém-empossado, Miguel Cadilhe decidiu alienar aquilo que ele próprio chamou “activos extravagantes”. Ora bem, quando o dinheiro custa a ganhar, não se aplica assim em extravagâncias, muito menos numa empresa. Donde que, ou não custou a ganhar, ou os seus donos andaram muito distraídos….

Um governo PS nacionaliza um reduto PSD criando leituras políticas. Resumindo e não concluindo: temos uns lusos “affaires”, sem saber muito de onde nascem e com uma extravagante gestão. Muito mais do que um caso político, é certamente um caso de polícia. Haja coragem política de ir até ao fim…

04 novembro 2008

O silêncio era de ouro

Depois das fanfarras de Santana Lopes e Menezes, brevemente interrompidas por Marques Mendes, parecia agradar o estilo sereno de Manuela Ferreira Leite, embora se pudesse interrogar se não haveria ali tranquilidade a mais.

Recentemente MFL apareceu duas vezes e, enfim, mais valia ter continuada calada. A primeira foi sobre a candidatura de Santana Lopes á Câmara de Lisboa. Pode até por motivos que a minha razão não alcança ele ser um excelente candidato e a sua vitória dar uma grande alegria ao PSD. Agora, é seguramente um forte contributo à derrota de MFL. Quem decide o primeiro-ministro não são os militantes do PSD, é o eleitorado flutuante para quem essa figura já está na história, e na má história, há muito tempo.

Outro momento foi sobre o aumento do salário mínimo. Decretar um aumento significativo do salário mínimo da noite para o dia não resolve nada e pode ser perigoso. Mas a postura do senhor representante das PME’s de ameaçar mandar todos os contratados a prazo para a rua tem tanto de primário quanto de ilógico. A prepotência de apresentar uma chantagem assim é de “patrão no seu pior”. MFL não devia ter embarcado nesta polémica. O país que queremos ser económica e socialmente não é um país de gente de “pá e pica”, a puxar músculo de “sol a sol”. O caminho é naturalmente por maior investimento por posto de trabalho, maiores competências, maior valor acrescentado, “exigindo” e proporcionando melhor remuneração.

Assim sendo, bem que J. Sócrates e o PS têm mais com que se preocupar do que com a oposição.

30 outubro 2008

Nem tudo é mau...

Há três anos atrás, numa sessão de trabalho sobre a evolução da conjuntura económica, vi ser apresentada e demonstrada a existência, ao longo da história, de uma correlação muito directa entre um pico da cotação do petróleo e uma recessão subsequente. Um assistente comentava que era improvável ver o petróleo manter-se durante muito mais tempo naqueles 60-70 USD.

Aparentemente, erraram os dois. Nem houve crise imediata nem o petróleo baixou. A crise veio, mas só mais tarde após o petróleo ultrapassar os 140 USD.

Durante este tempo até pareceu existir uma admirável “imunidade” ao preço do petróleo. A amplitude do trambolhão actual, sendo que a parte invisível do iceberg ainda está por determinar, sugere que essa “resistência” foi somente um “aguentar”, que resultou num estouro mais violento.

Se é muito provável que, de uma forma ou de outra, os EUA acabariam por entrar em ruptura, dada a insustentabilidade do seu modelo, quem acelerou o processo e acendeu o rastilho foi a cotação do petróleo.

Muito se tem falado das dolorosas consequências desta crise na chamada “economia real”. Algumas, no entanto, são potencialmente positivas. Uma será clarificar que economia só há uma: a real. E forçosamente equilibrada entre a criação de riqueza associada a valor acrescentado “claro” e os serviços financeiros que a suportam. Vender várias vezes o mesmo tijolo com valorização crescente, pela expectativa do valor que esse tijolo algures gerará, não cria valor. Limita-se a trocar o tijolo de dono, em crescendo de preço e de expectativa, até se detectar que o “rei vai nu” e o último dono do tijolo ficar a arder.

Outro aspecto positivo, da travagem do consumo, é a “normalização” do preço do mesmo petróleo e de outros produtos básicos. Esta não agrada nada a alguns países produtores que têm os seus orçamentos populistas generosamente suportados pelas cotações dos hidrocarbonetos. Mais uma vez é a questão da falta de sustentabilidade que tem a mania de se manifestar sempre mais cedo do que se gostaria. Para lá do agrado de vermos descer o preço dos combustíveis e bens e serviços derivados, há algo mais importante. Os países do terceiro mundo sem petróleo nem gás estavam a caminho de uma situação verdadeiramente catastrófica. Este alívio da sua factura de importação energética só ajudará muito. Esperemos que aproveitem.

14 outubro 2008

É que não aprendem!

No momento em que o mundo “ocidental” assiste a um terramoto no seu sistema financeiro de com uma amplitude que tomou tudo e todos de surpresa, os “génios financeiros criativos” insistem em mostrar que não dormem nem desarmam!

Um parêntese para recordar que há já uma dezena de anos, mais coisa menos coisa, se sabe que os EUA andam a gastar mais do que criam, alimentando esse consumo através da valorização contínua do imobiliário e da emissão de obrigações do Estado, algo de insustentável. E, por definição, o insustentável não dura sempre, sendo também verdade que, como alguns dizem na ressaca, o que fez mal foi apenas o último copo. No penúltimo ainda estava tudo bem…

Depois deste estouro do crédito imobiliário imaginemos o que poderá ser o colapso do valor das suas obrigações e do dólar, isso sim, uma verdadeira bomba atómica na economia mundial. Oxalá não ocorra mas o que é lógico tem sempre uma probabilidade não negligenciável de ocorrer, não é?

Voltando ao tema do parágrafo inicial, que vi eu num dos telejornais recentes? Que o banco Best tinha proposto um “produto inovador”, um depósito a prazo em que se indicava um palpite para o candidato vencedor das eleições americanas. Acertando, a remuneração seria de 8%, falhando ficariam uns meros 2%.

Eu posso entender que a vitória do candidato “A” possa ter um impacto previsível positivo nas acções de um pacote de empresas "X" e a remuneração da minha aplicação tenha um resultado diferente, conforme ganhe “A” ou ganhe “B”. O que eu não consigo entender de forma alguma é que o resultado dependa de eu acertar com o palpite ou não. Parece-me mais próximo do totoloto do que de uma aplicação financeira. Em resumo, ao continuar com estas propostas “criativas” em que não se encontra nenhuma lógica entre o investimento e a remuneração, “eles” só estão a mostrar que não aprenderam nada!

09 outubro 2008

Brel

Não, não é costume andar por aqui a marcar efemérides e muito menos ir ao google roubar uma dúzia de fotos e fazer um "filme" amador.
Mas, nos 30 anos da partida de Jacques Brel, é uma forma humilde de nos mostrarmos pequenos face ao génio do artista.

PS em 10/10: Brel tinha fama de ser perfecionista e tratar o mais pequeno pormenor com grande atenção. Eu achei que o filme podia ser melhorado e cá vim deixar nova versão (não sei se será a última...).

07 outubro 2008

Coisas que falam "diferente"



Quando, por exemplo, posso escolher um carro de aluguer para utilizar por uns dias, tento experimentar um que não conheça, por muita satisfação que me possa ter dado o anterior.

Há uma coisa, no entanto, que se fosse a refazer acho que não mudaria nem trocaria e que é “engenharia”.

Uma das coisas fascinantes na engenharia é a sua “escrita”. Seja num plano de um conjunto de peças, num desenho de configuração de um sistema ou na arquitectura de um processo, a forma como um registo em papel descreve uma realidade actual ou, melhor, futura é desafiante.

Face a um boneco como o acima representado, um “engenheiro” atira-se para cima dele, para o descorticar e ver e comentar o que aquela coisa está para ali a dizer. Quando um plano se desdobra ou desenrola em cima de uma mesa os “engenheiros” são atraídos como “engenheiro por projecto” (para mais detalhes sobre o que é ser engenheiro, consultar “O princípio de Dilbert”) para entender e comentar e acrescentar algo àquilo que para ali se está a gerar e a tentar criar. Os “não engenheiros” fugirão assustados. Perdoai-lhes senhor porque não sabem o que perdem!

05 outubro 2008

Mandela não merecia isto



A História acabará por o confirmar, mas é certo que Nelson Mandela já lá tem o seu lugar assegurado como figura ímpar. O facto de, apesar ou precisamente devido ao seu passado, ter pacificamente desarmado uma “mina social”, que parecia não ter uma saída que não passasse por violentas convulsões é notável. A África do Sul parecia ser assim um país excepcional no continente e a servir de exemplo.

Após um Mbeki que, apesar de ter cara de boa pessoa, passou ao lado das expectativas, vamos ter o Zuma. Para lá da diferença de estilo que as fotos demonstram começa já num estatuto “supra justiça”. Depois de uma primeira tentativa de julgamento por violação, já submetido a grande pressão popular, agora foi pior. Sendo eleito líder do ANC e com fortes suspeitas de trapalhices por fraude, corrupção e lavagem de dinheiro em negócio de armas, entenderam que um líder não pode ser julgado. Sendo tão popular como populista, gerou-se um “amplo” movimento social de pressão sobre os tribunais que lá inventou qualquer coisa para o isentar de ir ao banco dos réus esclarecer a verdade.

África do Sul fica em África e lá vem aquela sensação de que nesse continente não se consegue mesmo pôr democracia a rimar com desenvolvimento.

Neste momento Nelson Mandela estará provavelmente numa grande expectativa e com um aperto no peito. Uma coisa é certa: não merecia estar a assistir a isto.

03 outubro 2008

"Um dia chove, outro dia bate Sol"




Há aquela imagem dos habitantes de uma aldeia nos confins da África árida, martirizados pela falta de água, que quando vêm um esboço de uma nuvem no horizonte, desatam a cantar e a dançar “Vem chuva, vem chuva!!!”.

Infelizmente a euforia não dura muito, porque rapidamente a nuvem se dissipa e ficam de novo entregues à angústia e à inclemência da secura.

É disto que me lembro quando vejo o histórico da evolução do PSI 20, conforme imagem acima. A diferença é que aqui ninguém chega mesmo a “ver” um sinal de mudança que dispare o optimismo. É muito mais difuso. Até pode haver uma notícia má, mas como na véspera já “tinha sido descontada” e o facto de não ser pior do que o previsto, já se torna positivo e pode servir para animar. Enfim, o desespero raramente é racional.

O que se está assistir é a um fim de festa, tipo esquema D. Branca a cair. Com uma diferença, ilustrada por outra imagem.

Se alguém assassinar uma pessoa será severamente julgado e sofrerá a pena máxima sem piedade; se matar uma dúzia de pessoas pode ficar unicamente pelo internamento num hospital psiquiátrico; se matar uns milhares, com um pouco de sorte, pode ficar apenas com um exílio (isto é anterior ao TPI).

Quando a D. Branca cai, azar dos ingénuos que ficaram a arder. Quando são tantos e tantos bancos, o super liberal estado americano propõe-se digerir os cacos (evidentemente que não estão apenas em causa os “bancos”; as ondas de choque chegarão muito longe).

Neste momento não sei se o tal pacote de ajuda estatal será aprovado ou não, mas uma coisa sei: não se irá aprender. Depois do estouro da Enrons e afins que disciplinou as empresas cotadas e depois deste estouro que irá pôr alguma ordem nestes “financiamentos de risco”, alguma coisa será criada para dar a ilusão de crescimento que um balão a ser cheio de ar transmite. Estava mesmo, mesmo excelente no segundo antes de estourar. Os investidores criativos e os jogadores financeiros não acabarão.

PS: E era por aqui que diziam que eu devia aplicar as minhas poupanças para a reforma porque o Estado podia falir? Sim…. sim…

30 setembro 2008

Jogos nos jogos, revisitado

Quando lá para trás falei da questão da falta de qualquer coisa que estes jogos olímpicos teriam, apesar de todos os esforços das autoridades para que fossem uma marca de afirmação da modernidade e desenvolvimento do seu país, nem imaginava quão certo estava.

Naquele momento e nos meses que os precederam milhares (milhões?) de bebés chineses tomavam leite adulterado com melamina. Não foi divulgado provavelmente porque isso ensombraria o brilho da festa. Assim sendo, os inocentes indefesos continuaram a tomar o veneno, contando-se por dezenas de milhares o número dos que sofrem de pedra no rim, a bem da imagem de modernidade da China. Parece que só morreram 4 e também parece que esse contador bloqueou rapidamente.

No fundo, não importa se são dezenas ou milhões. As autoridades de um país que expõe de tal forma a sua população não são modernas nem sequer decentes, são simplesmente bárbaras e não será a alta tecnologia nem o arrojo arquitectónico que trarão a civilização. Há alicerces mais importantes e mais fundos.

25 setembro 2008

Is Life Random ?

Não, não é hábito por aqui descambar para os palavrões anglo-saxónicos (que raio de maneira de não dizer simplesmente “ingleses”), mas uma vez não são vezes. E um “será a vida aleatória?”, apesar de mais longo, não vai tão longe.

Existe em ambientes de programação uma função “Random/Randomize”, que recorrendo a um algoritmo, incluindo seguramente a data, gera um número supostamente aleatório. Bom, no fundo, no fundo nunca será completamente aleatório porque nenhum computador sabe devolver um “número qualquer”, verdadeiramente aleatório. Terá sempre alguns dados de entrada, só que trabalhados e baralhados de tal forma que o resultado parece mesmo, mesmo aleatório.

Este tipo de função seria indispensável, por exemplo, para criar uma “slot machine digital” minimamente credível. Eu, no entanto, não me lembro de a ter utilizado alguma vez. Quando é necessário um valor para uma variável qualquer, por pouco importante que seja, parece-me sempre preferível adoptar um critério qualquer, por muito secundário que seja. Se parece ser indiferente ir pela direita ou pela esquerda, há-de sempre existir um critério de desempate, quanto mais não seja memorizar que da última vez se foi pela esquerda para da próxima se ir pela direita.

Por isso e outras coisas, sempre achei estranha a função de reprodução de música em sequência aleatória. Um álbum tem uma sequência bem definida e choca-me ouvi-lo de forma diferente.

Isto mudou quando me rendi recentemente ao meu leitor de MP3. Inicialmente limitava-me a ouvir “álbum” a “álbum”, um pouco como quem coloca CD’s no leitor e os troca após a reprodução. Agora tenho usado a reprodução aleatória e curiosamente tem um resultado interessante. É um pouco estranho ter assim um Carlos do Carmo entre Génesis e um Leo Ferre, depois do Chico Buarque chegarem os Pink Floyd, ou o Jorge Palma ligar com o Astor Piazolla e seguir para Moody Blues. Uma coisa é certa: cria uma surpresa agradável. Olhando melhor notei que chamam ao modo “reprodução aleatória inteligente”. Como nunca sei o que quer dizer inteligente nestes contextos, fico sem saber se é mesmo, mesmo aleatório.

20 setembro 2008

O efeito cortesão

Há um princípio básico em qualquer julgamento que consiste em ouvir sempre as duas partes. Este “ouvir” deveria ser feito de forma equitativa porque quando uma parte é ouvida dez vezes mais do que a outra, há um risco sério de avaliação tendenciosa. Lógico, não?

O que isto tem a ver com cortes e cortesãos? Tem a ver com o facto de que o cortesão que vive na corte tem naturalmente muito mais oportunidades de ser ouvido do que quem se encontra fisicamente afastado. Sem querer e sem cuidado, o cortesão fica extraordinariamente beneficiado.

Aqui, é importante o perfil da organização. Se está consciente desse perigo, procura distanciamento e formalismos que o minimizem. Se não estiver e for uma daquelas em que a “informação” se propaga muito informalmente ao longo dos corredores, forçosamente sem contraditório… então será uma organização em que todos querem ser cortesãos porque estes sãos os “bons” e acabará por sofrer uma importante asfixia de tamanha pressão sobre os seus corredores.

15 setembro 2008

Ainda Setembro



E um cais e uma ilha e, no meio, a água de uma partida numa data estatisticamente a meio de qualquer coisa bem contada e pouco medida.

11 setembro 2008

Cerimónias fúnebres


Hoje na Catedral de Almuneda em Madrid foi celebrada uma missa em memória das vítimas do acidente da Spanair. Mesmo Zapatero,que, criou polémica ao não participar na missa celebrada em Valência por Bento XVI há dois anos (“nem Fidel Castro se recusou a assistir à missa de João Paulo II!!”), marcou presença.

O evento criou alguma polémica porque algumas das vítimas não eram católicas e as suas famílias não gostaram de ver os seus encomendados assim a um Deus terceiro.

Duas reflexões. A primeira é esta “Espanha Sacristia”, unificada há 5 séculos com o ferro e o fogo da fé, que ainda continua a ter a Igreja a cheirar de perto o poder secular, recusando-se a criar uma distância que já existe de uma forma consolidada na maior parte da Europa Ocidental.

A segunda é que o desaparecimento da igreja do quotidiano tem esse momento resistente. Para muitos, como eu, já não há missa semanal, nem casamento em altar, nem baptistério, mas há um momento resistente à esmagadora maioria dos agnósticos: o funeral.

Passamos por alto todos os outros momentos, mas aquele final continua a precisar de algo mais, continua a requerer um cerimonial que ainda não tem alternativa. Estamos a caminhar para uma situação em que os padres servirão apenas para enterrar pessoas? Questão em aberto…

07 setembro 2008

Um dia...



O vale do Douro entre Gaia e Porto é um cenário de características únicas. Ao mesmo tempo grandioso e de dimensão humana. É natural que em termos de espectacularidade para o "show da Red Bull” seja excelente.

Agora, imaginemos uma avaria num avião ou no coração de um dos pilotos. Que consequências poderá ter? Está bom de ver que muito provavelmente uma tragédia.

Pode proporcionar imagens sensacionais como a de cima, retirada do portal Sapo, mas que há aqui uma análise de risco que não foi feita, isso há. Se um dia acontecer uma desgraça, será um acidente imprevisível.

04 setembro 2008

Psi mais psi

Está na moda o "apoio psicólogico". Qualquer susto ou imprevisto é promovido à categoria de choque traumático. Se é verdade que no passado não se usava psi’s para quase nada, agora por um espirro mais forte lá é necessário o famoso apoio psicológico. Não sei se é por a raça estar a ficar mais fraca, o que será muito mau sinal, ou por a influência (lóbi? lobby?) dos psi’s na sociedade estar a aumentar. Se se fizesse um paralelo com o esforço físico é como se já não fosse normal subir escadas e tivesse que existir elevador por todo o lado…!

Agora temos a crise “pós-férias”. Pois é! Deixar a vida boa e voltar aos horários e à carga de trabalhos, complicações e chatices é uma grande pancada. Mas se o comum dos mortais, sem nada mais de significativo a somar, não consegue sozinho ultrapassar esse choque, então este mundo está mesmo perdido.
Assim sendo, melhor será não ir de férias de todo: evita o choque. Porque isto de dividir o orçamento de férias em dois, metade para gastar nas mesmas e outra metade para pagar ao psi no final….. isso sim, é bem deprimente!!!

02 setembro 2008

Cães e gatos



Há quem seja mais para o cão e há quem seja mais para o gato. Não tem coincidência directa com a cor das íris mas anda perto, ou não?

Eu confesso ser mais para o gato. Cães, só mesmo aqueles a sério, grandes e dignos. Há uns, muitos, que são irritantes e insuportáveis e há ainda os que são apenas “boas pessoas” (leia-se “bons cães”), mas sem por isso me despertarem especial empatia.

Agora, digam-me que outro animal pode ser assim, nem selvagem nem doméstico, confortavelmente estirado sobre um muro quente, de quem nos podemos aproximar e apontar uma objectiva a poucos centímetros, sem ele fugir nem se aproximar, sem reagir nem pestanejar. Sabe bem que estamos lá mas ignora-nos. Aceita que aquele espaço possa ser nosso mas também é naturalmente dele e sem necessitar sequer de o afirmar.

No final, somente um pouco enfastiado de tanta proximidade desloca a cabeça para nos interrogar directamente: “Ainda falta muito??!”

Não, não existe outro animal assim…!

30 agosto 2008

Voar às cegas



Amanhã, apanharei um voo da Spanair de Barcelona para Argel. Nada de muito especial porque desde o dia 20 de Agosto até hoje já milhares de pessoas terão voado com eles.

Não se conhecem ainda as razões do acidente de Barajas, mas pequenas coisas fazem pensar que nem tudo estaria 100% no ponto como é exigido. Uma tentativa de descolagem foi abortada por uma sonda indicar temperatura excessiva. A solução dos mecânicos foi … desligar a sonda: matar o mensageiro. Um dos travões aerodinâmicos estava há uns dias desligado por avaria. Parece que o segundo seria suficiente, desde que, obviamente, não avariasse na altura em que fosse preciso travar. E, se é verdade que o problema não foi travar mas sim falta de força para levantar, isto é sinónimo de “simplicidade excessiva”.

A única companhia que “boicotei” até hoje foi a Regional Airlines de Marrocos por uma série de indícios de displicência na manutenção e operação dos aparelhos. Sabe-se há bastante tempo que as companhias de países pouco “controlados” e especialmente as privadas mais sujeitas a pressão de resultados são potencialmente muito perigosas. Agora que uma Spanair espanhola, filial da escandinava SAS, simplifique assim surpreende e preocupa.

A maior aventura que já tive foi numa pública … espanhola. Um 747 velhinho da Ibéria em que eu vinha de Buenos Aires para Madrid, com escala em Las Palmas. abortou a descolagem e o comandante disse abertamente: “Senhores passageiros, estamos com um problema no sistema hidráulico e não dispomos de toda a potência dos motores. Iremos descarregar uma parte de carga e tentaremos de novo”. Segui pela janela a descarga dos contentores para avaliar o valor total da redução de peso e palpitar se a minha bagagem ficava ou ia. Voltámos à pista e no meio de um forte cheiro a combustível mal queimado ele lá foi ganhando ou velocidade ou altura; nunca as duas coisas em simultâneo. Descansei quando o vi nos 2000 metros.

Apesar de tudo, estatisticamente falando, é menos perigoso do que a estrada. A chatice é que não temos a mínima ideia de quão perto andamos do perigo.

E nada disto justifica que a TSF hoje tenha feito destaque e folhetim com um avião que está com problemas para trazer uns portugueses do México para cá…!
Cheira-me é que com estas coisas e os petróleos por aí acima, os voos baratos vão ficar um pouco menos baratos. O planeta agradece porque virem uns ingleses a Espanha de avião apenas para comprarem bebidas alcoólicas carece de racionalidade.

18 agosto 2008

Ó da guarda!!!

Mais um morto em Loures em confusões em que a maioria da população não se reconhece. Mais polícia? Um polícia em cada esquina? Acho que não. Acho que a omnipresença das forças de segurança pode dar um aumento de segurança percepcionada ao “comum dos inocentes”, mas não é a vista de um “sinaleiro” que trava os marginais, até eventualmente, os espicaça.

E depois, quando não houver mais polícias para todas as esquinas? Trazemos o exército para a rua como fez o Sr. Berlusconi recentemente em Itália? Sentir-nos-emos mais seguros assim?

E depois? Fazemos como no Texas em que os professores serão autorizados a levar as armas para a escola? (estou a tentar imaginar a evolução do caso do Carolina Michaelis e outros idênticos com gente armada…).

Não. Definitivamente a guarda é outra e, desculpem a heresia, um bocadinho de “social” a menos. A ociosidade é mãe de todos os vícios e se todo aquele pessoal tivesse que se levantar cedo para “vergar a mola” e chegasse ao final do dia cansadito, talvez se dispensasse a guarda…

09 agosto 2008

Jogos nos Jogos

Ontem, dia da abertura dos jogos li um artigo sobre o processo de selecção e preparação dos atletas chineses que mais parece um decalque do modelo soviético de há umas décadas atrás.

O utilizar dos Jogos Olímpicos como montra de regime evoca-me Berlim de 1936.

Se é improvável que a China venha a invadir militarmente Taiwan ou outro vizinho como o fez a Alemanha há 50 anos atrás, já não estou tão seguro sobre o resultado da comparação com a União Soviética. Se hoje a China cresce de forma impressionante e faz questão de o afirmar ao mundo, tenho muitas dúvidas de que um regime assim tão centralizado seja sustentável.

No mundo que eu penso que é o mundo vencedor haverá um momento em que a iniciativa individual, a liberdade de expressão e a criatividade fatalmente vencerão a organização marcial. Eu acredito que o humano inquieto e algo insubmisso a prazo se superioriza ao sistema completamente regulador.

04 agosto 2008

Questão de mercado ?

Sobre a crise que se tem abatido sobre algumas universidades privadas, li recentemente tratar-se apenas de ver o mercado a funcionar, separando as boas das más, não havendo nada de dramático nisso. Eu acredito muito no mercado em certos contextos. Se um restaurante não me agradou, não volto lá, perdi uma boa refeição, e é tudo. Se um automóvel se revela abaixo das minhas expectativas, não volto a comprar da mesma marca e aqui já não é tão pacífico porque não se troca de automóvel todas as semanas.

Muito diferente é o ensino superior. O ensino em geral e o superior em especial são dos principais agentes definidores do que seremos uma geração à frente e, para esta escala de tempo e importância, o mercado simples não regulado não funciona.

Dos investidores que desenvolveram um projecto mau que não sobrevive não tenho pena, até porque a história de muitos desses “investimentos” é tudo menos clara, poupando outros adjectivos que me poderiam fazer correr o risco de acusação por difamação. O outro lado da questão é o dos “clientes” e o refazer um curso não é o mesmo que trocar de restaurante.

Que farão hoje os milhares de jovens que investiram tempo, dinheiro e, sobretudo, “entusiasmo” em cursos desses projectos “maus”, que o mercado de trabalho agora rejeita? O problema é exclusivamente deles e da sua opção pouco esclarecida?

Um exemplo concreto: Portugal poderia ser hoje um destino de “turismo de saúde” onde gente com carteira recheada se viesse tratar na serenidade do país e na tranquilidade do clima. Em vez disso temos carência de médicos para o serviço nacional de saúde. Não tenho nada contra a concorrência internacional no “mercado de trabalho” e a vinda de médicos espanhóis, desde que falem português e haja reciprocidade. Somente acho vergonhoso isso acontecer ao mesmo tempo que milhares de vocações médicas não tiveram acesso à profissão porque o Estado andou distraído e/ou uma corporação controlou com sucesso o seu “mercado”. Vergonha é a palavra certa ou se preferirem em idioma mais “in”: “Shame on you!”

26 julho 2008

Now!!!!!


A Vodafone acertou em cheio na mensagem a passar para a geração alvo! É a geração do “now”. Agora eu quero, agora eu faço e é tudo no “já”. Uma geração que não olha para o futuro com muita preocupação ou consideração. A minha curiosidade agora (now?) é ver como chegarão e se portarão estes “nows” no mercado do trabalho. Uma coisa é certa: de uma forma geral, para eles, quanto mais tarde (menos “now”?) vier esse momento, melhor.

A meia geração posterior à minha tinha uma grande diferença na postura profissional, traduzida numa exigência de retorno a curto prazo e menos de “investimento para mais tarde”, no entanto, essa exigência era pilotada pela ambição. Uma outra meia geração à frente, esta do “now”, duas coisas parecem prefigurar-se: uma falta de ambição que assusta e … quero tudo agora e eu quero, eu quero.

19 julho 2008

A Guerra a ser perdida


Algumas notícias :

1. “China ameaça liderança de Portugal em Angola”
“Primeiro-ministro desloca-se propositadamente a Angola para participar no dia de Portugal na FILDA (Feira Internacional de Luanda) [… ] Esta viagem acontece também numa altura em que a China ameaça o primeiro lugar de Portugal enquanto exportador para Angola”. (citando na íntegra o Jornal de Negócios de 16.7.08)

2. “China e Rússia vetaram sanções do Conselho de Segurança da ONU contra o Zimbabwe”. No dia 11/7, depois da fantochada eleitoral, o CS queria impor limitações de deslocação a Mugabe, congelar activos do regime e impor um embargo de armas. Aqueles dois países acharam que não valia a pena…

3. “Presidente do Sudão acusado pelo tribunal internacional de Haia de genocídio”. Parece não haver dúvidas objectivas sobre a “justeza” do processo, mas, por outro lado, há muitas inquietações pragmáticas sobre o resultado da aplicação da justiça. Pode simplesmente implicar que o “Ocidente” passe a ser encarado como um “inimigo não isento”, a ONU deixe de poder actuar, a situação humanitária no Darfur se agrave e… fique lá isolado como parceiro internacional aquele que “tem os olhos em bico”, dando um apoio forte ao regime, com poucas preocupações de moralidade e justiça.

Depois de uma Guerra Fria que em África declinou em guerrilhas, golpes de estado e movimentos de “libertação”, hoje anuncia-se uma “guerra económica” entre o Ocidente e a China e, pelo andar das coisas, acho que a China a vai ganhar. É que cada vez que o Ocidente tenta limpar o registo dos Mobotu's e forçar uma moralização no continente, está a dar um passo atrás e a perder pontos nesse conflito.

E não pensemos que se trata apenas de economia de empresas. Os batéis improvisados que demandam as Canárias, a Andaluzia e a Sicíla são uma consequência muito directa dessa África governada por Mugabe's e Bashir’s.

14 julho 2008

Escravo !


Se o futebol espectáculo já me merecia pouca consideração, as bizarras declarações do Sr. Blatter fazem-me passar à repulsa, tamanha é a ausência de princípios.

Se eu bem entendo, o Sr. (menino?) Cristiano Ronaldo assinou um contrato com o Manchester. Um contrato é algo em que ambas as partes se comprometem numa série de coisas: a fazer, a receber, durante um tempo, num lugar, enfim, não faltam cláusulas. Um contrato é algo que não se assina como um postal de boas festas. Por vezes há contratos abusivos em que se tira partido de algum tipo de fraqueza como falta de preparação/informação da outra parte. Nesses casos até pode ser anulado. Não me parece que tenha sido o caso de CR quando assinou este contrato. Tinha obrigação e meios para estar bem informado e plenamente consciente das implicações de colocar a sua assinatura naquele papel.

Agora, parece que CR quer sair do Manchester e para isso é necessário quebrar o contrato. Como é natural, alterar um contrato válido só é possível com o acordo das duas partes. Se uma delas não estiver de acordo obviamente que nada feito. Desastroso seria um mundo em que os compromissos fossem respeitados ou não, conforme “desse ou não desse jeito”. E, de uma forma ou de outra, somos sempre “escravos” dos nossos compromissos.

Quando o Sr Blatter, uma autoridade máxima no meio, vem publicamente dizer que os jogadores deveriam ser livres de sair quando entendessem demonstra duas coisas: ou é um imbecil que não sabe o que é um contrato ou é um desonesto interessado que tem alguma vantagem no assunto, não recusando para isso a cair no ridículo. Quando compara a situação com a escravatura acrescenta-lhe ignorância, arrogância e sei lá que mais…

Enfim, nada de muito novo no meio. Não era o Sr. "Valetudo" que dizia que os contratos podiam ser rasgados? Pelos vistos, é tudo da mesma escola!

11 julho 2008

Sabe quem eu sou ?


A notícia já tem mais de uma semana mas continua a merecer referência. Barak Obama queria entrar num ginásio e, não tendo sido reconhecido pela empregada de serviço, foi obrigado a fazer prova da sua identidade, conforme mandava o regulamento do local.

Por um lado, é estranho ele não ter sido reconhecido, após tantos milhões de dólares gastos com a promoção da sua imagem. Por outro lado é muito significativo que alguém como ele ao ser instado a fazer prova da sua identidade, como bom cidadão, o faça prontamente.

Fez-me lembrar um outro personagem cá destas bandas que, quando interpelado pela polícia por estar em transgressão, se acha no direito de retorquir: E você não sabe quem eu sou!!!?

Enfim, o conceito de cidadania não é mesmo em todo o lado, mas estou confiante de que haveremos de lá chegar.

07 julho 2008

Foi bonito


Não, não é que o mundo tenha mudado de um dia para outro. E a felicidade de uma ou de quinze pessoas são pouco face a tudo o que há de miserável neste planeta.

Mas há coisas que são símbolos e que tanto o serão para o negativo, quanto para o positivo. E Ingrid Bettencourt é um. Foi bonito (aliás, é bonita!)

PS: E se dúvidas houvesse sobre a grandeza humana, discernimento histórico e honestidade intelectual do "nosso PCP”, ficamos esclarecidos! Irra, que aquele pessoal não muda nada! A famosa “coerência” ou, mais propriamente, “teimosia”, tão característica daquele simpático "quatro patas" de orelhas compridas!

05 julho 2008

Viver no porta-aviões

Quando da ponte de uma traineira o patrão anuncia “ondulação a bombordo” e o marinheiro que está lá à frente na proa se apercebe que, na realidade, as ondas vêm de estibordo, é obrigado a contradizê-lo e o patrão é forçado a ouvi-lo. Porque, se realmente orientaram mal o barco, há o risco de irem todos ao fundo. Por isso, o patrão tenta informar-se bem e necessita ter confiança absoluta no que a equipa lhe transmite. Há também a alternativa do patrão ir à proa ver ele mesmo tudo pessoalmente, mas esse é ainda outro enquadramento.

Num porta-aviões quando o comandante anuncia “ondulação a bombordo” e o marinheiro na proa vê as ondas chegarem do outro lado, prudentemente encolhe os ombros e faz de conta que confirma. Quando mais tarde se verificar o erro, pode sempre dizer “Parecia mesmo, mesmo, que vinham de bombordo, comandante!”. A navegação nessas condições pode não produzir os resultados ideais, mas a integridade do navio não está ameaçada, pelo menos a curto prazo.

30 junho 2008

Também quero um negócio assim!



Toda a gente sabe, em qualquer local do planeta, que existe uma grande diferença entre facturar e receber. E, se por vezes é difícil receber, outras vezes é mesmo missão impossível. O controlo dos créditos dos clientes e respectivos recebimentos é um processo fulcral em todas as actividades económicas, sendo óbvio que quem não o faz bem pura e simplesmente não sobrevive.

A possibilidade de, face a um vulgo calote, ir pedir uma compensação aos restantes clientes sérios, seria uma situação de sonho para qualquer tesoureiro. Que maravilha! Cada vez que um incobrável aparece a ensombrar uma lista de dívidas, pumba! É distribuí-lo pelas próximas facturas dos bons clientes! Isto é naturalmente inconcebível do ponto de vista comercial e moral.

Este absurdo parece estar em vias de se tornar realidade para a energia eléctrica. Já sabemos que se trata de um domínio sem concorrência e não tenhámos ilusões: esses buracos devidos a “má gestão” ou “simples azar”, de uma forma ou de outra, vão ser recuperados a partir do bolso das “presas”, perdão “bons clientes”. Agora, dizê-lo e assumi-lo tão abertamente é que é um enorme desplante!

À parte, e relacionado, a minha factura da água é já uma anedota. Digamos que é uma factura municipal de lixos, taxas várias e coisas e loisas, em que existe uma primeira linha largamente minoritária que se chama “consumo de água”. Não digo que essas taxas sejam injustas ou indevidas. Só gostaria que se chamassem as coisas pelo seu nome e não fosse assim tão fácil acrescentar linhas e percentagens nas contas das “presas indefesas”.

28 junho 2008

O tempo das Cerejas



O tempo é dinheiro e também aquela dimensão extra que o Einstein nos trouxe. Apetece dizer mais: o tempo é um tempo. E há alguma dificuldade em arranjar outra palavra para “tempo”.

Uma coisa que tem tempo e tempos é a Natureza e os seus ciclos. Com algumas técnicas modernas de produção e de conservação já perdemos a noção do tempo das florações e dos frutos. Quanta gente sabe colocar na boa sequência natural as laranjas, os morangos e as ameixas? Uma das vantagens de viver um meio menos desenvolvido é reencontrar esses ciclos.

Mas, apesar de tudo, e em qualquer lugar, as cerejas são resistentes. Têm o seu tempo e só esse. “O tempo das cerejas” é uma expressão bonita para título de qualquer coisa. As cerejas vêm quando as laranjas e os morangos já desapareceram e as primeiras maçãs, verdadeiras, se apresentam.

É bonito o tempo das cerejas, dos pêssegos, das ameixas, dos primeiros figos e mais ainda sabendo que é só mesmo aquele tempo (apesar de eu gostar ainda mais de... Setembro!).

23 junho 2008

Palácios




Será difícil não reconhecer que por detrás de cada palácio está algum tipo de desumanidade. O que é associado a um nível supremo de civilização e de apuro estético tem, quantas, todas (?), as vezes, na sua génese e construção um pleno de misérias e de barbaridades.

Mas, mais do que o mau dessa fase da realização, em que a sumptuosidade da construção é proporcional à injustiça e ao desequilíbrio na distribuição da riqueza, chocam-me os que em seguida parasitam os palácios. Os que saltam as barreiras de entrada e conseguem singrar nos seus corredores, nada mais fazendo do que insinuando e usufruindo... dos corredores do palácio. São a pior raça de gente que pode existir neste mundo.

Hoje não se fazem palácios, ou os que se fazem têm democraticamente uma função aberta à sociedade. Pisamos os corredores e as escadarias de palácios antigos, no passado restritos a monarcas e parasitas e … apreciamos?

E até pode ser para visitar a história de um militante anti-palácio. Não se percebe bem se por distracção, desvalorização ou provocação vem contar a sua vida na ala de um monarca, paredes-meias com o Ministério de quem ele se queixa de o ter exilado do país.

E tantas vezes o génio criador está associado a carências de coerência e de personalidade verdadeiramente atrozes. Seria bom que Saramago esclarecesse o que é para ele Portugal e esta exposição. Para vermos se saímos com uma grandeza à medida da obra ou se nos mantemos na mesquinhez das declarações ressabiadas de quem não consegue ser superior aos seus opositores.

17 junho 2008

Powered by Porsche!



E insensível aos aumentos de combustível…!

No entanto, considerando que aqui na Argélia eu atesto o depósito com o equivalente de 6 (seis) euros, o preço por quilómetro desta motorização até nem será muito competitivo...

(Foto de origem desconhecida extraída de uma secção humorística do “Le Quotidien de Oran”.)

15 junho 2008

É fácil dizer não…



Recordo-me de umas antigas reuniões de condomínio que corriam relativamente bem até aparecer um retardatário habitual que, ainda antes de ter ouvido bem o que se estava a discutir, afirmava com veemência: “Eu não estou de acordo!”, semeando de imediato e muito eficazmente a maior desordem na assembleia.

Há situações em que é difícil dizer publicamente “não”, mas felizmente não é o caso de nenhum país Europeu. Apesar de todos os “mas” e “senãos” e alguns excessos, a União Europeia é um processo histórico ímpar e admirável. No caso concreto de Portugal seria interessante que os eurocépticos fizessem um esforço intelectualmente honesto para imaginar o que seria hoje Portugal sem a Europa e sem o Euro. Estaríamos muito, muito mais pobres e atrasados.

Não gostei do processo “Giscardiano”, mas com o tempo tornou-se claro que era necessário fazer algo para arrumar a casa e o tratado de Lisboa parecia um bom compromisso. A Irlanda disse não e há quem fique contente com isso. Não terá dito não pelo conteúdo mas pelo “não”. E pronto: é fácil dizer não! E agora?

Aqueles, com responsabilidades, que rejubilaram com a notícia que tentem o mais difícil: definir e apresentar alternativas em vez de somente bater o pé no estilo menino mimado a dizer “eu não quero, eu não quero!”

13 junho 2008

120 anos



Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.

(Excerto da fabulosa "Tabacaria")

Não, não se classifica entre os artistas reputados pela sensibilidade e pela expressão estética. Não. Em cima de isso tudo é um génio de uma dimensão filosófica extraordinária.
Quem não o achar, que leia a "Tabacaria" toda, saboreada em pequenos goles.

10 junho 2008

O dia do Poeta

  • A nossa festa nacional não está ligada a nenhum facto político, militar ou económico.
  • Não?
  • Não, não é dia de batalha, nem de revolução, nem de independência primeira ou restaurada, nem de constituição, nem de rei ou raínha.
  • Não?!?
  • Não, nada disso!
  • Então?!?
  • É o dia de um Poeta!!!
  • Ahhh!?!?!?
Pois é! A descrição acima está um pouco incompleta. Talvez que se Camões não tivesse escrito a epopeia nacional, o seu brilho lírico e profundo contributo para a língua e cultura portuguesas não teriam sido suficientes. Não importa muito agora. O que importa dizer é que o facto de a festa nacional ser de raiz puramente cultural é um sinal de enorme maturidade civilizacional e de uma identidade consolidada como poucas outras. Mas hoje também não é dia para comparações.

Verdes são os campos,
De cor de limão:
Assim são os olhos
Do meu coração.

Campo, que te estendes
Com verdura bela;
Ovelhas, que nela
Vosso pasto tendes,
De ervas vos mantendes
Que traz o Verão,
E eu das lembranças
Do meu coração.

Gados que pasceis
Com contentamento,
Vosso mantimento
Não no entendereis;
Isso que comeis
Não são ervas, não:
São graças dos olhos
Do meu coração.

(Luís de Camões e, para ouvir melhor, juntar o Zeca Afonso)

09 junho 2008

Protestos e mercado

Posso entender que um particular proteste contra o aumento do custo dos combustíveis. Trata-se de uma parcela importante do seu orçamento e ele não tem nenhuma forma de a compensar nas suas receitas, uma vez que as suas actualizações de vencimento não acompanham nem de perto nem de longe essa evolução.

Custa-me bastante mais a entender os protestos dos camionistas. O custo do gasóleo é uma parcela, significativa sem dúvida, da sua estrutura de custos. Como em qualquer actividade comercial, o que eles têm a fazer é repercutir esse aumento no seu preço de venda. Se já estão numa fase em que não há mais optimização nem racionalização a fazer, só lhes resta cobrar mais aos seus clientes. Nem sempre é fácil, depende do tipo dos contratos e da situação do mercado. Mas quando o mercado funciona, e este sei que funciona, ele encarrega-se de reencontrar um novo ponto de equilíbrio, sem governo pelo meio. Alguém está a ver as metalomecânicas virem para a rua protestar porque o preço de aço subiu? Ou uma papeleira bloquear uma estrada e pressionar o governo porque o custo da madeira está alto?

Colocar as populações, que necessitam e têm o direito à sua mobilidade, reféns de tal protesto não será abusivo?

07 junho 2008

As esquerdas e as ideias, ou a falta de...

Foi um acontecimento bem explorado mediaticamente terem estado Manuel Alegre e Francisco Louçã juntos na defesa das esquerdas, dos "Abris" e dos Maios etc. Eu reconheço a nobreza de muitos desses princípios e apoio sem hesitações a justiça e a solidariedade sociais. Só que essas palavras valem pouco se não houver criação e a repartição de riqueza. Solidariedade entre falidos não tira ninguém da falência. Por isso, ao governo devem ser pedidas contas sobre o não criar condições para o desenvolvimento e por não aplicar com bom critério os recursos que tem à sua disposição.

Apenas fazer belas declarações recordando Abril pode ser bonito, mas esquecer de que estivemos a gastar mais do que ganhávamos e que isso é insustentável e injusto para as próximas gerações é autismo. Discutam sim mas com ideias, com alternativas concretas e não palavrões de cassete. Construa-se e deixe-se de falar para a fotografia…

Para as próximas eleições teremos Sócrates e Ferreira Leite discutindo pormenores e histórias mas num registo realista, fatalmente próximo e evidentemente muito longe desse discurso. Em quem votarão esses órfãos desencantados? Quem seriamente poderá apresentar-se como candidato a primeiro-ministro que não afectará professores, médicos, polícias, agricultores e por aí fora, solidariamente de mãos largas, distribuindo, distribuindo? Acho que não haverá nenhum “credível” (como agora é moda dizer-se) porque, apesar de tudo, lá no fundo, no fundo, ninguém acredita no Pai Natal.

02 junho 2008

A responsabilidade dos meninos

Ser emigrante não é fácil. E ser emigrante português é particularmente difícil. Por motivos diversos que não cabe aqui analisar, raríssimos são os portugueses que se expatriam de coração leve.

Ser imigrante não é fácil. E ser imigrante na Suíça é particularmente difícil. Um imigrante português na Suíça sofre as duas coisas acumuladas. Reconhecido como trabalhador, sério, etc e tal, mas nunca “um dos nossos”, será sempre alguma coisa abaixo.

Por isto, a recepção feita pelos imigrantes à chegada da selecção foi algo que me tocou. Por um momento, eles não eram o estrangeiro pobre. Eles eram os daquela equipa que tem o “melhor do mundo”. Eles colocaram no desempenho da selecção a sua imagem. Se a selecção brilhar eles entrarão brilhantes no seu posto de trabalho, olhando de forma diferente os seus colegas da casta superior. Se perdermos com empenho e dignidade, eles serão derrotados dignos. Mas se a equipa for displicente ou, pior, indisciplinada, essa será fatalmente a etiqueta que eles colectivamente trarão na testa no dia seguinte. Em vez de se levantarem cairão para mais fundo.

Esta é uma responsabilidade enorme que aquela equipa tem. Espero que esteja bem consciente disso.

31 maio 2008

Apesar da festa do Euro

Numa entrevista recente Filipe Soares Franco afirmava que no Sporting o “futebol era prejudicado pelas modalidades”. Não conheço pormenores, nem sei se o Sporting tem uma situação muito diferente de outros clubes. Acredito que possa ter.

No entanto, parece-me mais correcto dizer que o “Desporto” é prejudicado pelo “Futebol”. O futebol profissional é uma actividade em que uns artistas bem pagos apresentam um espectáculo competitivo que nem sequer se pode considerar cultural. Não há nenhuma razão para o erário público suportar ou ajudar essa actividade, antes pelo contrário, ela deveria ser um contribuinte líquido.

Desporto é feito com participação, que se quer salutar, de uma larga faixa de população que o pratica por gosto, por vontade de desenvolvimento saudável e por uma série de razões positivas e construtivas. Apoiar este, sim, é de interesse público e o “estado” tem obrigação, na sua repartição da riqueza recolhida pelos impostos, garantir que todos os cidadãos têm acesso à prática o mais ampla possível de desporto.

Portanto, a minha sugestão é separem-se as águas. Espectáculo para um lado e desporto para outro. E um espectáculo simples de entretenimento social não merece estatuto de utilidade pública nem nenhum tipo de benesse ou subsídio. Merece sim contribuir para a prática do verdadeiro desporto.

24 maio 2008

Festival como este? Não, nunca mais….”



Os que estão abaixo dos “entas” não sabem nem imaginam o que era o Festival da Canção há 30 e tal anos atrás. Um verdadeiro acontecimento nacional com o país especado em frente ao televisor vendo passar basicamente os mesmos e esperando ansioso pelo fim da estrepitosa votação telefónica dos vários distritos: “Allo Viseu! Viseu? Viseu!!! Viseu, esperamos a sua votação! … estamos com problemas de ligação com Viseu… ”

Esse interesse seria provavelmente devido à escassez de espectáculos de entretenimento e de “palcos”. O que é certo é que o 25 de Abril mudou muita coisa e isso também. À procura de detalhes sobre um famoso concurso de um quente 1975, encontrei este sítio que tem lá tudo de tudo. Giro para os “entas”.

Voltando a esse concurso de 75, o júri era composto pelos autores das canções participantes. Não seria bem uma forma de juiz em causa própria, mas mais uma espécie de “auto-avaliação”, na altura em que estava na moda a “auto-gestão” e que poupou umas chamadas longas e complicadas para Viseu, Vila Real e Bragança.

Os participantes tinham mensagens curiosas. Estavam lá uns habituais Paco Bandeira dizendo que “sou o estandarte novo desta muralha, sou a batalha-povo que em mim se ganha” e um Paulo de Carvalho trazendo histórias de “Com um arma, com uma flor” em que “em Abril, Abril, […] nasceram bandeiras da cor deste sangue”.

Um tal Carlos Carvalheiro cantava um tema de Sérgio Godinho, anunciando que andava uma “boca de lobo a morder na nuca do povo”. Outro tal de Fernando Gaspar contava que "o leilão da lata vai terminar quando a barraca for pelo ar […] na terra vermelha nasce uma fonte”.

Jorge Palma, para lá de um tema “seu”, ao pianinho, vinha ainda com Fernando Girão informar que “diz o povo que o pecado essencial é o capital”. O registo mais assinalável pertencia, no entanto, a José Mário Branco e “pela terra que lhes rouba esse canalha dos monopólios e grandes proprietários, camponeses lutam pela reforma agrária p’ra dar a terra àquele que a trabalha”.

A coisa não correu muito bem porque, apesar de tanto fervor e tantos autores alinhados, quem ganhou foi Duarte Mendes com um "Madrugar" que era assim uma ligeira evocação dos amanhãs que cantam. Foi tamanha a decepção e a confusão, quase chegando a vias de facto, que José Mário Branco fez uma declaração histórica: A canção escolhida ira representar a burguesia na palhaçada de Estocolmo e que, para isso, o “Alerta” não servia. Só não explicou porque participou.

Enfim, um ano bem transitório, em que se cruzaram num palco a perder protagonismo, protagonistas a caminho de outros palcos.

22 maio 2008

Más notícias

Para Paulo Portas e outros da mesma linha retórica, que bradam e ladram pela situação gravíssima de insegurança que se vive em Portugal, saíu uma má notícia. Segundo o Instituto para a Economia e Paz australiano, Portugal é o 7º país mais seguro do mundo. Neste índice GPI (Global Peace Índex), Portugal está bem à frente de toda a Europa Mediterrânica com a Espanha em 30ª, a Itália em 28ª, a França em 36ª a Grécia em 54ª.

Ora bem, isto e outros detalhes só provam para quem não sabe ou está distraído que… Portugal é um paraíso!

Não é motivo para achar que está tudo bem e que podemos repousar tranquilamente à sombra da qualidade de vida actual. Não, isso nunca, mas… quanto mais conheço países….

Todos os detalhes aqui.
PS: E o mérito principal não é do governo nem da oposição, obviamente!

19 maio 2008

Por quem os sinos dobram


Não era dali e, por isso, dali partiu. Pela forma como vestia ou como teria actuado. Por acções ou intenções, provadas ou presumidas, estava a ser delapidada. Não parecia um processo tradicional, organizado, em que o condenado é preparado e parcialmente enterrado, os homens até à cintura e as mulheres até ao peito. Parecia mais uma iniciativa espontânea. Uma mole masculina acotovelava-se e saltava em torno e por cima dela, para atirar pedras, dar pontapés, fotografar e filmar. Há tanto interesse em agredir como em registar. É, aliás, a difusão de um desses registos que me alimenta esta descrição e de onde extraí as imagens acima inseridas.

Ela em posição fetal tenta proteger a cara ensanguentada. Resiste às tentativas de ser exposta, para pedra, pontapé ou fotografia. Tenta debilmente erguer-se, mas cai rapidamente. Finalmente, uma grande pedra imobiliza-a. Alguém a eleva bem alto para a atirar de novo, rebentando o crânio. Uma poça de sangue espalha-se lentamente e a turba acalma. Terminam os pontapés e as pedras, reduz o ritmo das fotografias e o filme acaba.

Depois de escrever o texto acima tentei situar o assunto e foi fácil. Passou-se no sul do Iraque, o crime foi namorar com um rapaz de etnia diferente e passar uma noite fora de casa. Tinha 17 anos. O filme que eu recebi tinha minuto e meio, o suplício demorou cerca 30 minutos. Nome: Du’a Khalil Aswad.

E desculpem-me as outras dezenas de milhares de mortos, mas há coisas para as quais, para mim, os sinos dobram com mais intensidade do que quando é um terramoto na China ou um ciclone na Birmânia.




“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

De Jonh Donne e utilizado por E. Hemingway para título do seu famoso romance.