09 setembro 2014

O Islão em transição


Começo por referir que tenho vários amigos muçulmanos a quem muito respeito, desejo as maiores felicidades e que também não me querem nenhum mal. É necessário ser prudente e evitar embarcar em considerações generalizadoras e redutoras quando se fala do mundo islâmico. Separando as coisas, para lá do Islão espiritual e religioso no sentido estrito da palavra, há, no entanto, um Islão político, que usa a religião como estandarte de campo de batalha. Como exemplo simples e significativo, o conflito antigo e ainda actual entre sunitas e chiitas, com tanta desgraça e mortes na sua conta, tem muito mais a ver com uma luta pela influência temporal do que com concepções espirituais. E, aquilo que a Europa cristã fazia há uns séculos atrás, de alargar a sua marca religiosa pelo mundo fora, com uma promiscua aliança entre a cruz e a espada e um oportunista cruzamento de interesses, ainda está hoje nalgumas agendas, se bem que com meios diferentes.

Surpreende ser possível encontrar e recrutar no nosso mundo ocidental voluntários dispostos a partirem para o médio Oriente, para degolar infiéis. Penso que o campo de recrutamento terá duas vertentes. Por um lado estão aqueles radicais “desta sociedade”, que são simples e basicamente a favor de quem está contra ela, da mesma forma como no passado foram venerados Mao, Staline entre outros criminosos e terroristas. Doutro lado estarão os muçulmanos desenraizados. O primeiro caso parece-me ser um fenómeno transitório, muita gente com grandes responsabilidades actualmente andou por esses caminhos na sua juventude, enquanto o segundo é mais permanente. O que está por trás desta radicalização: raiva, frustração, sentimento de exclusão/humilhação? Contra aquele espírito de raiz cristã do “somos todos pecadores/a culpa também é nossa”, convém recordar que o esforço feito na Europa, hoje laica, para integrar e respeitar as várias religiões, e nomeadamente a muçulmana, é absolutamente incomparável a algum esquiço de reciprocidade que se possa encontrar do outro lado.

No tempo actual, ninguém deveria ter dúvidas de que uma religião se deve afirmar por si, pelos seus valores, por opção pessoal de cada individuo, num plano fundamentalmente espiritual e minimizando o seu impacto na “sociedade dos outros”. A luta em causa, qualquer que seja o idioma em que se conjugue, será uma luta interna de cada um pelos seus valores e princípios. No entanto, num país muçulmano de referência que é a Arábia Saudita, renegar a religião, apostasia, ainda é crime passível de pena de morte. Como isto não é certamente deste tempo, e dificilmente de tempo algum, há uma evolução pendente de uma parte do Islão, que se deve centrar nos princípios, apagar os “detalhes” anacrónicos e encontrar formas de afirmação mais sãs. O expansionismo forçado, musculado ou macio, tem efeitos nocivos. Usar e deturpar princípios espirituais para esse fim não é nada de novo, mas está a apresentar um efeito terrível que é um retrocesso brutal na humanidade e na irmandade entre os homens. Os muçulmanos sérios têm uma responsabilidade enorme em travar isto.

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