30 dezembro 2014

E se o Syriza ganhar?

A possibilidade do Syriza ganhar as próximas eleições gregas e ser governo está a provocar muita excitação, em várias frentes. Eu confesso ter alguma curiosidade em assistir aos efeitos práticos de uma mudança dessas. Em primeiro lugar, seria um teste necessário para o Euro. A nossa bela moeda única, criada com muito optimismo (ou ligeireza) prevendo apenas dias de sol, precisa de estar preparada para lidar com decisões soberanas e democráticas de um país membro, doa a quem doer, e até poderá doer mais ao rebelde do que ao sistema.

Todos sabemos ou imaginamos qual o resultado de falar grosso a quem devemos dinheiro: depende de quanto a nossa dívida pesa para esse credor. Se for pouco manda-nos passear; se for relevante irá aceitando o “diálogo”… até valer pouco. Daí, eu ter muita curiosidade em ver na prática os efeitos desse “Não pagamos!”. Muito provavelmente ninguém depois emprestará decentemente um euro (ou um dracma) à Grécia e não acredito que fique numa situação melhor do que a actual.

Ou será que o Syrisa no poder, tornar-se-á mais “pragmático” e menos “idealista”? Sendo muito provável que a aplicação duma política de ruptura terá consequências duras, principalmente para os gregos, acho ser uma experiencia a tentar. De uma forma ou de outra é necessário clarificar e concretizar as alternativas possíveis para estas dívidas insustentáveis (onde se inclui a nossa) e para a governação desta europa perigosamente dividida entre o norte supostamente rico, sério e implacável e o sul declarado pobre, trapalhão e corrupto. A realidade é mais complexa e pode ser mais rica.

29 dezembro 2014

Ano justo?

Dois factos marcam a entrada em 2015, do ponto de vista da “grande” justiça. Um ex-primeiro-ministro em prisão, preventiva, e o arquivamento do processo dos submarinos. Para o primeiro caso resta esperar uma “preventiva” breve e que a decisão final chegue pelo fundo e não pela forma.

No caso dos submarinos, formalmente não houve crime. No entanto toda a gente sabe que circulou dinheiro por canais paralelos, houve mesmo julgamentos e condenações na Alemanha. Custa a crer como nada se conseguiu, nem sequer a cooperação completa da justiça alemã. Apetece insinuar que algures talvez tenha faltado vontade, mas deixando as suposições e passando para os factos, este arquivamento formal não é nenhuma prenda para os potenciais envolvidos, muito pelo contrário. A natureza do negócio não é compatível com “tudo acabou bem”, apenas por não se ter descoberto onde aterraram os milhões.

Um vulgar trapaceiro fica contente por se ter safado e nada ser provado em tribunal. Neste nível de responsabilidade política, a exigência é maior.

17 dezembro 2014

Sidi Bouzid - 17 / 12 / 2010


Nos primeiros dias de Dezembro de 2010 eu estava na Tunísia. Se alguém me tivesse dito nessa altura: - Sonhei que daqui a um mês isto vai estar tudo a ferro e fogo, palácios saqueados, o presidente a fugir e o regime deposto; eu teria respondido a esse suposto interlocutor: - Deves ter comido algo que te fez mal! Neste país, pode até o povo sair para a rua, mas antes de aquecerem as solas na calçada, já alguém lhes estará a aquecer as costas com um bastão. Cerca de duas semanas depois, em 17 de Dezembro, o vendedor de fruta de Sidi Bouzid, acossado e humilhado pela polícia, imolava-se, desencadeando a revolução, na qual, à partida, ninguém acreditava.

Razões para ter ido até o fim:

- a primeira dama e respectiva família, o clã Trabelsi, tendo passado de ilegítima a legítima, tratava o país como um bem pessoal. Que quem governa se governa é condenável, mas até certo ponto tolerável – isto não.

- o wikileaks tinha revelado muitos detalhes e dado uma maior e insuportável visibilidade a esses saques e abusos.

- as autoridades reagiram com bastão nas costas, sem entenderem que essa resposta já não servia.

- a Tunísia não é um país inventado um dia, a milhares de quilómetros de distancia. É herdeira do império cartaginês e a história e identidade contam muito.

- uma ajudinha da cadeia de TV do Qatar, Al Jazira, muito popular na altura, que deu uma enorme cobertura e destaque, mostrando os acontecimentos como uma epopeia empolgante.

Hoje, exactamente 4 anos depois, a Tunísia é o único país das “primaveras” onde a consolidação de um verdadeiro regime democrático parece ainda possível. Porquê? Devido à sua forte identidade… e, apesar de tudo, por ter sido pouco “ajudado”. A democracia não pega de enxerto e muito menos empurrada à força.

16 dezembro 2014

Os episódios de António Costa

É muito curioso como o tempo parece estar mais a favor do maldito governo em funções, do que do recém-chegado novo líder da oposição. António Costa continua sem dizer como irá mesmo endereçar as questões fundamentais mas, em contrapartida, os pequenos episódios que fazem dele notícia, vão de mal a pior. Para os feriados alinha-se com Paulo Portas. Se a restauração da independência e a instauração da República são importantes, e são-no, tratem de as manter em boa saúde evitando, por exemplo, negócios e negociatas que ameacem a sua saúde. É mais importante gerir bem o país do que reivindicar feriados e dias santos.

O aeroporto de Lisboa não é propriedade da Câmara de Lisboa, nem está construído exclusivamente no seu município. Além de várias questões de princípio sobre a tal taxa “neo-senhorial”, não é claro nem simples como na prática pode ser implementada. Um potencial futuro primeiro-ministro legislar sem se preocupar com a forma de aplicar as suas decisões, não augura nada de bom.

Sobre a TAP, esqueçam a troika e sejam homenzinhos. Privatizar ou não, e como, é uma decisão a tomar e a assumir hoje. Ir ler, reler e interpretar um documento com três anos para defender um ponto de vista é uma tentativa de desresponsabilização, quase infantil … Quanto à comparação do significado da existência de uma simples companhia aérea com uma das mais brilhantes e marcantes empreitadas da história da humanidade é demasiado rídiculo para ser levado a sério. Uma coisa posso dizer: se Vasco da Gama fosse da mesma fibra teria chegado, e com alguma dificuldade, … à Berlenga!

14 dezembro 2014

Por aí não!


O advogado de José Sócrates pediu a libertação deste, invocando nulidades processuais. Como cidadão ele tem naturalmente o direito de se defender, como muitos, enveredando por gincanas jurídicas, centradas na forma e ignorando fundo.


No entanto, para a natureza dos potenciais crimes em causa, intrinsecamente associados a funções da maior responsabilidade, virem a ser determinantes factos do género não foi às 17h59 mas sim às 18h01, a folha tinha carimbo na frente e devia ser nas costas, é muito perigoso para a credibilidade das instituições.

A posição “política” pública actual de não se manifestar, deixando o assunto entregue, e bem, à justiça, deve no entanto exigir um esclarecimento pelo fundo. Fugir pela forma, pode até absolver formalmente o cidadão, mas para o sistema é destrutivo e inaceitável!

13 dezembro 2014

Se forem insultados, não estranhem

Os funcionários da TAP estão a planear uma greve para a época Natalícia, com o objectivo de “sensibilizar o governo” para não avançar com a privatização. Provavelmente nunca trabalharam fora de Portuga e possivelmente nem sequer passaram por outra empresa que não esta e pública. O efeito da sua acção de sensibilização não afecta apenas os portugueses que estão lá fora, mas para esses, é muito triste.

Não neste momento, mas já vivi fora de Portugal por duas temporadas e sei e entendo o que é vir passar o Natal à terra. É organizado com muita antecedência. Não é fácil depois arranjar bilhetes e muito menos com preço em conta. O tempo planeado em Portugal, para estar com a família, reencontrar amigos, rever o sol e o mar, a comida cá feita e colocar a respirar uma casa hibernada é precioso. Qualquer percalço que ponha em risco ou afecte esse tempo é dramático. Todos os potencialmente afectados com esta acção de sensibilização estarão a dirigir palavrões a esses funcionários e com razão.

Mesmo que acabe por ser apenas pólvora seca e a greve não se concretize, o pessoal que se lembrar disto vai para o ano evitar escolher a TAP. Com a vinda à terra no Natal não se brinca, mesmo até preferindo à partida usar um avião em que já “cheira” um pouco a casa.

O resultado desta “sensibilização” é que o governo deve mesmo vender a TAP e rapidamente. A continuarmos assim ainda vai acabar por ter que pagar para alguém ficar com os destroços duma empresa que os seus funcionários, não exclusiva mas determinantemente, estão a destruir.

09 dezembro 2014

Questão de estatuto ?

Recentemente falou-se muito de Mário Soares. Eu considero que a avaliação da sua contribuição para a consolidação da democracia em Portugal, se bem que relevante, está, em geral, algo inflacionada. Também não entendo o mutismo da comunicação social sobre tantas zonas escuras associadas a ele e aos seus amigos, parece que nunca existiram.


Para lá do conteúdo das suas intervenções, polémicas e questionáveis, o que me choca, e muito, é aquela afirmação, recorrente, de que o seu estatuto lhe permitir dizer o que pensa. Isto choca-me porque se há algo de básico numa sociedade livre é cada qual poder dizer o que pensa, sem necessidade de usufruir de um estatuto especial para isso.

Se é necessário ter sido primeiro-ministro, presidente da República e mais de 80 anos para se poder dizer o que se pensa, é muito grave. Assumir isso explicitamente, com toda a naturalidade, é assumir que a nossa sociedade está podre, é hipócrita e refém de interesses que amordaçam a consciência, a iniciativa e, já agora, como consequência, condenam o progresso.

Não digam que a culpa é da troika ou exclusivamente dos malvados da esquerda ou da direita, conforme o ponto de vista. A culpa está em todas as latitudes e achar esta situação “normal” é uma forma de cumplicidade. O meu avô não alcançou um milésimo da notoriedade de Mário Soares e, no entanto, teve sempre estatuto para dizer frontalmente o que pensava.

07 dezembro 2014

Alguém paga...


Quando a contestação popular começou na Síria xiita, aliada do Irão, os sunitas do golfo, a Turquia mais ou menos laica e os ocidentais atrás, entenderam ser uma oportunidade excelente para castigar e enfraquecer o Irão. Vai daí, ajudaram e financiaram todos que quisessem molhar a sopa, incluindo a Al Qaeda, curiosamente promovida a coisa menos má do que o maléfico Irão. O então EISL, agora pomposamente chamado “Estado Islâmico”, já dizia ao que ia e como. De tal forma que a própria Al Qaeda se afastou dele.

Hoje, estando como e onde queria, com a barbaridade conhecida, conseguiu a façanha de, aparentemente, alinhar contra ele, no sentido dos ponteiros do relógio: Síria, Ocidente, Turquia, Curdos, Irão, o que resta do Iraque e monarquias do golfo. É obra! No entanto, continuam pujantes e ricos. Dizem que os do Golfo já não lhes pagam mais. Está bem que se apropriaram do recheio de bancos iraquianos, receberam pagamento de resgates de reféns e também vendem petróleo dos campos que controlam. Curiosamente, o petróleo não se trafica como os diamantes num saquinho, que se esconde em qualquer lado!

O que me parece claramente é que algures no mostrador do relógio que atrás referi, há umas horas furadas. Se todos estivessem na prática firmemente determinados a acabar com aquela coisa monstruosa, pelo menos, pelo menos, petróleo eles não venderiam!