31 julho 2017

Se tal faltasse provar


É-me um pouco difícil abordar este assunto sem insultar ninguém, mas vou tentar, mesmo correndo o risco de ser eu o insultado. Já referi várias vezes a tristeza de constatar a acefalia faciosa que grassa por este mundo e, que provavelmente, dará mau resultado. O curioso é que, em geral, o pessoal até reconhece existir o problema…, mas apenas nos outros (no inimigo!). E se, nalguns casos, até se pode encontrar campo para um pouco de “contextualização” e “relativização”, a situação atual da Venezuela é daquelas em que basta ter meio dedo de testa e um pingo de seriedade para entender e reconhecer o absurdo indesculpável e intolerável da ação dos “déspotas boliverianos”.

Infelizmente, há bastante gente a quem lhes falta o tal meio dedo e/ou pingo de honestidade. E não estou a falar de qualquer um dos que hoje em dia sai pelas redes sociais de megafone em punho a insultar os “inimigos”. Cito dois nomes, relevantes, que conseguem usar palavras como liberdade, progresso e democracia associadas à Venezuela atual, sem corarem de vergonha. Boaventura Sousa Santos, uma suprema sumidade duma certa sociologia intolerante, tão bem vista por tantas inteligências cá do burgo e Ilda Figueiredo, figura de relevo de um partido político, por princípio democrático, e suporte parlamentar do governo atual. Desculpem lá, mas isso é falta de inteligência e/ou de seriedade?

PS: A propósito, a culpa é, realmente, em grande parte, dos americanos, mas pelo desenvolvimento do gás de xisto que atirou o preço do petróleo para baixo. Na “festa boliveriana” o “desenvolvimento” foi simplesmente comprado com petrodólares, enquanto houve.

30 julho 2017

Este homem é de esquerda!


A extensão típica destes textos é largamente insuficiente para elencar todas as coisas esquisitas por onde o mundo de Ricardo Salgado viajou. A maior parte das pessoas informadas já terá uma ideia e, se não tiver, uma simples pesquisa permite encontrar matéria mais do que suficiente para passar a ter. Poucas operações polémicas no país foram estranhas ao Sr PDT (Patrão Deles Todos).

Recentemente veio dizer, muito aristocraticamente, como convém a alguém de tal estirpe, que não é por culpa dele que há lesados do G/BES. Ele tinha intenção de pagar… só que a provisão acabou por ir parar a outro buraco. Também teria tido intenção de pagar aqueles 900 milhões extorquidas à PT e que desvalorizaram a empresa, agora tão na mira da classe política, mas por outros motivos, politicamente mais relevantes? Sim, porque para os nossos políticos uns milhares de milhões a mais ou a menos é irrelevante, alguém acabará por pagar; agora a propriedade dos meios de comunicação social é assunto muito mais sensível.

O mais curioso, sem dúvida, é o Sr PDT afirmar (crítica ou elogio?) que nenhum outro governo lhe teria tirado o tapete como fez Pedro Passos Coelho. Se outro governo tivesse aceite lá colocar mais uns mil milhares, seriam mais uns mil milhares evaporados. À luz do maniqueísmo vigente, entre pafiosos e geringonceiros, só posso concluir que Ricardo Espírito Santo, afinal, é um homem de esquerda!

27 julho 2017

A vitória dos 64 mortos


Levantaram-se dúvidas sobre o número de mortos em Pedrogão Grande. O PM respondeu ser assunto encerrado, estando, historicamente, esta afirmação dele mais associada a um desejo do que a uma realidade. Na mesma altura, ficamos a saber que um helicóptero destruído em Alijó, oficialmente teria feito apenas uma aterragem de emergência controlada. A seguir, o PM muda de discurso e lança o desafio do quem souber de mais, que avise. A lista está fechada num segredo de justiça que não se consegue racionalmente entender. É natural subsistirem dúvidas. A lista é divulgada e, tanto quanto se sabe, as diferenças para os 64 não são da escala especulada.

Acontece, porém, que este governo não governa para um país onde, além lá dos políticos e politiqueiros, há cidadãos com deveres e direitos, sendo um desses direitos o exigir transparência e verdade. Não. O Governo está em guerra. De um lado estão os seus correligionários que acreditam cegamente e apoiam, do outro os inimigos que contestam e duvidam. Um português que questione o governo não é um cidadão a exercer um direito; é um inimigo que ataca.

Não se ter verificado o especulado, constitui uma vitória contra os inimigos, celebrada efusivamente. A confirmação de uma obrigação básica do Governo, não ter encoberto e manipulado o número de vitimas de uma catástrofe, é transformada, dentro desta dinâmica maniqueísta e redutora, num sucesso. O nível a que chegamos!

25 julho 2017

Tristes tempos


Infelizmente, não me recordo de termos vivido tempos sérios, no que diz respeito à prática e ao discurso de quem nos governa. Correndo os doze anos destas minhas publicações, encontrar-se-ão muito mais pontos de crítica ao governo em funções em cada momento, do que aplausos. Estes tempos atuais, no entanto, parecem-me diferentes, para pior e o faciosismo acéfalo alastrou. Se quiserem parar de ler, podem fazê-lo, se quiserem contestar o meu raciocínio e contrapor algo, estão à vontade. Tudo exceto chamarem-me de falso, dissimulado ou desonesto. Aí, teremos o caldo mesmo entornado!

Para muitos, concordar ou discordar, dar importância ou ignorar um problema depende apenas da cor do mesmo. À falta de argumentos ou à preguiça para os procurar, cola-se uma etiqueta e “está tudo dito”. Ou é coisa da direita estúpida, ou da esquerda arrogante. O PS atual tem muita responsabilidade nisto. Se por um lado excita o pessoal com a bandeira da “esquerda”, do “outro caminho”, que merece ser bem escrutinado para saber onde vamos parar, e assim enfraquece potenciais “Podemos” e “Syrizas”, por outro lado, é de uma irresponsabilidade enorme.

Os tempos de má memória que vivemos entre 2011 e 2015 foram consequência de uma consistente má governação, ao longo de muitos anos. Por acaso, até era este PS quem estava ao leme quando afundamos. No período da troika, o fundamental da governação teria sido igual, qualquer que fosse o partido no poder. A mensagem atual de que a troika foi uma opção dos “pafiosos” e que com o PS teria sido diferente, é perigosamente muito desonesta.

Acreditei que o susto e o choque sofridos pudessem ter tido um efeito profilático e nos tornássemos mais sérios e mais exigentes. Infelizmente, não. Mente-se, insulta-se e reescreve-se a história mais do que nunca.

“A liberdade consiste, antes de mais, em não mentir. Onde a mentira prolifera a tirania anuncia-se ou perpetua-se.” Albert Camus.

Receio estarmos efetivamente a caminho de uma espécie de tirania. Como quem nos conduz são os donos da única fábrica habilitada a produzir bandeiras dizendo “liberdade”, o caminho só pode estar certo e nem se admitem discussões. As fábricas dos carimbos grosseiros funcionam a pleno regime. A nossa memória e inteligência são insultadas, com sorrisinhos sarcásticos que muito, muito, muito me incomodam.


Foto googleada, já não sei donde...

24 julho 2017

Um abuso


Colocar estas duas obras a par é um abuso. Aceito até que alguém se possa zangar comigo. Uma é um filme ficcionado e a outra um livro, de um testemunho real. Uma desenrola-se em Marrocos, num subúrbio pobre de Casablanca, Sidi Moumen, a outra passa-se em França, a começar em Nantes.

Em comum: ambos os protagonistas passaram por uma militância islâmica. Um num grupo radical, o outro na Irmandade Muçulmana (e é neste paralelo abusivo que alguém se pode zangar comigo). A Irmandade Muçulmana no Egito, na fase inicial, poderia estar perto dos salafistas jiadistas, mas agora a sua prática, pelo menos em França, é outra.

Um dos protagonistas acaba como bombista suicida, situado nos atentados de Casablanca de 2003; o outro acaba pacificamente divorciado do islão político. Antes de continuar nas comparações, o filme “Os Cavaleiros de Deus”, com subtítulo “Ninguém nasce mártir”, de Nabil Ayouch, vale bem a pena ser visto e refletido. É uma história simples e dramaticamente banal, um contexto comum a milhões de possíveis futuros mártires e mostra como é simples alguém dali se transformar em assassino. O livro é também muito interessante. Em nenhum outro registo, e já li bastantes, encontrei uma linha tão clara e bem definida a separar o muçulmano do islamista, de como é possível viver essa fé em paz com o nosso tempo e com os outros. Talvez a sobrevivência à experiência de militância tenha sido fundamental para Farid conseguir a clarificação.

O que ambos têm em comum, que mos fez fotografar a par, é, num dado momento, haver um divórcio entre o individuo e o seu meio e o seu futuro, justificado ou não. Uma desistência. Entende-se mais facilmente que Yachine se revolte contra a cidade rica, a partir do seu bairro da lata sem perspetivas, do que Farid invente um inimigo na França onde tinha nascido e onde estava integrado. Este estado de espírito de desistência e de fragilidade é capturado e manipulado por um projeto de poder, agudizando o divórcio e extremando posições. Para não se zangarem mais comigo, acrescento que este tipo de manipulação não é específico nem único do Islão. Outras religiões também a praticam, assim com outros poderes, incluindo a marginalidade clássica. É fundamental que o Islão e os muçulmanos consiguam viver sem esse foco permanente nos “outros”, nos “inimigos”. Pode haver fé e prática dela sem confrontação, sem inimigos? Pode e deve.

21 julho 2017

Se calhar, não é verdade


Como estamos num tempo em que saem notícias sobre o que pode ter acontecido, para compensar o que aconteceu mesmo e não se quer que seja notícia… arrisco.

As infelizes declarações de Gentil Martins e do candidato PSD de Loures, foram resultado de uma manipulação externa. Os arautos da geringonça encontravam dificuldades em encontrar mais onde malhar. Aquela coisa de a culpa de tudo ser ainda dos pafiosos troikianos, estava a ficar fora do prazo de validade; ao Passos Coelho não saía mais nenhuma patacoada, como a dos suicídios, e no outro lado da barricada não faltavam munições. A reação de simplesmente chamar vendidos aos jornalistas, também já começara a esgotar.

Vai daí, o Kim, que tem alguma simpatia pela geringonça, poderá ter resolvido ajudar. A Coreia do Norte pode ter condicionado o médico e o candidato a dizerem umas patacoadas sobre temas fraturantes e assim libertar a tinta presa em muitas canetas, já em risco de azedar. Não se sabe se foi com psicotrópicos ou com a ameaça de um míssil no jardim. A forma tradicional de suborno é improvável, já que esta malta é toda contra o capital e na Coreia do Norte essa coisa maléfica também não abunda.

Maravilhosamente, a Raquel Varela, a Isabel Moreira, o Daniel Oliveira e demais confrades receberam tema para cronicarem durante duas semanas. O Kim até os pode ter convidado para irem lá passar umas férias e celebrarem em conjunto, mas eles podem ter dito que o lugar deles é aqui, neste Inferno, na luta. Para usufruírem do Paraíso terão muito tempo, mais tarde.

Presumivelmente, num futuro próximo, alguém lançará uma patacoada sobre o aborto e outra sobre os migrantes e, aí será mais uma corrida, mais uma viagem, até com a facilidade de essas crónicas já estarem mais do que feitas e afinadas. O trabalho será reduzido, como convém num período de férias.

Também é possível que a patacoada da segunda figura do Estado sobre a Justiça, tenha sido resultado de uma ingerência externa, neste caso da Mossad, para dar uma ajudinha ao patrão da Altice!

Tudo isto que escrevi é uma grande patacoada? Sim, claro, mas depois de ver circular a interpretação boliveriana (poderosas ingerências externas) sobre as armas desaparecidas em Tancos, estou apenas a procurar entender, na prática, como este mundo passou a funcionar. E não está fácil!

20 julho 2017

Não quero viver numa “Venezuela Boliveriana”


Qual é o país, qual é ele, onde tudo o que de mau acontece e é notícia (porque o que não se conta, não existiu) e onde a incompetência, a corrupção e o nepotismo são sempre e apenas fruto de poderosas ingerências externas, que buscam boicotar um governo progressista? Qual será esse país…? A Venezuela, dirão…?

Bom… o vergonhoso assalto a Tancos acredita-se poder ter sido obra e encenação de forças externas poderosas procurando desestabilizar um governo progressista; a incompetência dos boys e girls da Proteção Civil durante os incêndios dramáticos, tem mãozinha da estúpida e ressabiada direita, pelo menos nas noticias que a divulgam. Qualquer jornalista que aborde um podre da (des)governação é um pafioso a abater e é insultado de forma violenta e desrespeitosa dos princípios básicos da sociedade em que supostamente vivemos. Entretanto, essa mesma Proteção Civil proíbe o pessoal do terreno de falar, para melhorar a “qualidade da informação” e … aceita-se!! Que caminho é este, senhores??

Está bem, não estamos no nível da Venezuela e não queremos lá chegar. No entanto, se pensarmos na simpatia dos partidos que apoiam o governo atual por aquele regime, ver a recente e caricata manifestação organizada em Lisboa de apoio à “revolução boliveriana”, presumo que, para eles, ficarmos iguais à Venezuela seria excelente e muito “progressista”! Para mim, não. Não quero viver num “Portugal Boliveriano”!!

19 julho 2017

A Altice e novas espécies de políticas económicas

Não tenho nenhuma simpatia especial pela Altice. Acabo até de cancelar um contrato com a MEO e zangado de tal forma que, tão cedo, não quero voltar a ouvir falar desse serviço. Apesar de tudo, o que me cobraram abusivamente ainda é inferior ao que, como todos os portugueses, perdi com as negociatas da empresa, quando esta estava na esfera pública.

Coincidindo com a compra da dona da TVI pela Altice, uma parte da nossa classe política aparece, de repente, muito preocupada com o futuro da PT. O PM até fez uma intervenção no Parlamento digna de terceiro-mundo, onde o poder se permite enviar publicamente bocas e remoques, conforme os seus humores, aos operadores económicos do país. Eu levaria mais a sério esta onda de preocupações, se lhes tivesse visto alguma quando a desastrosa gestão “política” da empresa fez derreter o seu valor, até ser comprada pela Altice por tuta e meia.

Dentro dessa onda de declarações, achei assaz curioso um comentário de Catarina Martins. Não entendia que a Altice estivesse a despedir pessoas da PT, quando afinal tinha dinheiro para comprar a Média Capital. Ou seja, o número de pessoas numa empresa não é determinado pelo necessário para ela ser eficaz e poder competir num mundo concorrencial, mas sim pelo recheio do cofre dos seus proprietários. Já agora, segundo Catarina Martins, como se enche esse cofre? Gostava de ver esta teoria económica melhor explicada e, de preferência, ilustrada com um exemplo de algum sucesso.

É assim tão difícil imaginar que os fundos disponíveis numa empresa não são uma espécie de herança recebida, para gastar, mas sim resultado de ser eficaz e competitivo? É assim tão difícil entender que quem “empata” dinheiro numa empresa, tem a expetativa de o recuperar com algum adicional, senão não investiria? É assim tão difícil entender ser indispensável haver quem invista, certamente que com regras e respeito pelas mesmas? Como não quero acreditar que exista tanta ignorância, é assim tão difícil a classe política ser séria?

17 julho 2017

Vamos ser otimistas


Um dos principais depósitos de armamento do país foi, aparentemente, assaltado com a facilidade com que se entra num simples galinheiro. Vamos então lá dar a volta à notícia – “spining, in english”…

Para começar, pode não ter sido roubo nenhum, eventualmente apenas um ajuste de inventário, dos militares matreiros. Aproveitem e contem bem os F16, nunca se sabe... Não foi um indicador de bandalheira completa nas Forças Armadas; não… a coisa é política! É a direita a atacar, desesperadamente e despudoradamente, o governo patriótico (continuem a ver isto como uma disputa clubística e depois queixem-se do subdesenvolvimento).

Duas semanas depois, e após ter sido alertado meio mundo, o nosso PM, regressado de férias, vem dizer que “com grande probabilidade, este acontecimento não teria qualquer impacto no risco da segurança interna”. Esta frase é retoricamente deliciosa, muito especialmente quando a seguir se usa a palavra “garantia”, e muito pouco tranquilizadora.

A grande probabilidade de não risco, estranhamente divulgada duas semanas depois dos acontecimentos, será devida ao facto de algum material estar fora do período de vida útil. Ora bem, a lista de material roubado/desviado/desaparecido, chamem-lhe como quiserem, é :
  • • 1450 cartuchos de 9 mm;
  • • 22 Bobinas de fio para ativação por tração;
  • • 1 Disparador de descompressão;
  • • 24 Disparadores de tração lateral multidimensional inerte;
  • • 6 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CS / MOD M7;
  • • 10 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CM Anti-motim M / 968;
  • • 2 Granadas de mão de gás lacrimogéneo Triplex CS;
  • • 90 Granadas de mão ofensivas M321;
  • • 30 Granadas de mão ofensivas M962;
  • • 30 Granadas de mão ofensivas M321;
  • • 44 Granadas foguete antitanque carro 66 mm com espoleta M4112A1 com lançamento M72A3 –M/986 LAW;
  • • 264 Unidades de explosivo plástico PE4A;
  • • 30 CCD10 (Carga de corte);
  • • 57 CCD20 (Carga de corte);
  • • 15 CCD30 (Carga de corte);
  • • 60 Iniciadores IKS;
  • • 30,5 Lâminas KSL (Lâmina explosiva)

Destes, quais estavam “fora de prazo” e quais as consequências reais disso? São como uma licença de software que no dia limite mais um segundo deixa completamente de funcionar? Ou continuarão a funcionar, eventualmente de forma um pouco diferente e menos garantida?

Agora, estou mesmo a imaginar um final feliz: os terroristas que receberem o material, frustrados por ele não funcionar como previsto, renunciam às ações violentas. Como consequência, os nossos amados líderes ganham o Nobel da Paz e no final temos os ex-terroristas a selfiar com os do costume… ! Que imagem linda!! Seríamos mesmo os maiores!!!

14 julho 2017

A Bastilha


Meu amigo, que acreditas que tudo deve mudar
Acreditas ter o direito de ir matar os burgueses
Se ainda acreditas ser preciso
Descer au fundo das ruas para subir ao poder
Se ainda acreditas no sonho da grande noite
E que aos inimigos, é preciso enforcá-los….

Diz-lhes, então, que mesmo sendo sincero
Nenhum sonho merece uma guerra
Destruímos a Bastilha e nada se resolveu
Destruímos a Bastilha quando era preciso amar-nos

Meu amigo, que acreditas que nada deve mudar
Acreditas ter o direito de viver e pensar como burguês
Se ainda acreditas ser preciso defender
Uma felicidade adquirida ao preço doutras felicidades
E se ainda pensas que é por estarem errados
Que as pessoas te cumprimentam em vez de te enforcarem

Diz-lhes, então, que mesmo sendo sincero
Nenhum sonho merece uma guerra
Destruímos a Bastilha e nada se resolveu
Destruímos a Bastilha quando era preciso amar-nos

Meu amigo, eu acredito que tudo se pode resolver
Sem gritos, sem sustos, mesmo sem insultar os burgueses
O futuro depende dos revolucionários
Mas dispensa bem os pequenos revoltados
O futuro não quer nem fogo, nem sangue, nem guerra
Não sejas daqueles que nos los irão trazer

Despachemo-nos de esperar
Caminhos para os amanhãs
Estendamos uma mão
Que não esteja fechada

Destruímos a Bastilha e nada se resolveu
Destruímos a Bastilha, não poderíamos antes amar-nos ?

Jacques Brel,em tradução livre

11 julho 2017

Da quinta para a serra


Esta foto circulou recentemente como exemplo de que um terreno com árvores tradicionais resiste melhor ao fogo do que uma monocultura de pinheiro, eucalipto ou, obviamente, terra abandonada. É verdade. Donde que se toda a serra estivesse com esta vegetação, resistiria melhor ao fogo. É verdade.

No entanto, na imagem, estamos a ver 1 ou 2 ha, que podem ser tratados por uma família. Em 1 ou 2 ha podemos colocar as árvores que nos apetecer, tratar e limpar o terreno e criar com alguma facilidade o tal espaço mais resistente ao fogo. Mas há um problema. À volta da quinta haverá 1000 ou 2000 ha onde não existem 1000 famílias, nem perto, para replicar o modelo.

Passando ao lado de que, muito provavelmente, entre os proprietários desses 1000 ou 2000 ha, alguns estarão em Lisboa, sem saberem bem onde ficam as suas propriedades; outros no Luxemburgo e, ao virem cá uma vez por ano, nem têm tempo para ver os seus terrenos e outros serão herdeiros que ainda não se entenderam com as partilhas… passando ao lado desse tipo de questões e supondo que os 2000 ha são administrativamente entregues à família que tão bem tratou da sua quinta…

Preparar, plantar e cuidar de 2000 ha é outra escala. Já não se trata de escolher uma dúzia de árvores no horto e ir lá com a enxada e a mangueira de vez em quando. É necessário investir, ter fundos e acreditar na rentabilidade de um negócio que durará anos… Neste momento a fileira da pasta/papel proporciona condições de investimento para a plantação de eucalipto. O facto de as outras fileiras não o conseguirem fazer será outro problema. Área disponível não falta.

E ainda: se os 2000 ha pudessem ser objeto de uma gestão integrada e global, seria possível definir que, por exemplo, por cada 100 ha de eucalipto seria obrigatório fazer 5 ou 2 ou 10 ha de floresta autóctone. Com a dispersão da propriedade e com donos ausentes ou desconhecidos, é bastante mais difícil.

Mas, pronto, vamos lá arrancar os eucaliptos bandidos, havendo quem acredite ser remédio santo.

10 julho 2017

A solução das demissões

Não é novidade nem específico de uma cor partidária aproveitar um acontecimento infeliz ou inapropriado para “exigir” a demissão de um ministro. Funciona assim como alavanca desestabilizadora para uns e pode também constituir um oportuno fusível para os outros.

Por norma, não aprecio muito essas gritarias. Penso que no exercício do poder e da representação do Estado, deveria ser consensual quando um responsável político deixa de ter condições para continuar e ser ele próprio a tomar a iniciativa de sair de cena, sem megafones nem palavras de ordem.

A propósito das recentes falhas estrondosa do Estado, em Pedrogão, na incompetente reação, e em Tancos, apareceu uma nova corrente de que “as demissões não resolvem nada”.

Se realmente é demitir por demitir, para encontrar um bode expiatório e substituir alguém por alguém igual ou pior, certamente não resolverá nada. Daí a declarar que “não vale a pena demitir”, por “poder não ser a solução”, entramos num terreno muito pantanoso. Se os cidadãos não querem pseudo-soluções, muito menos apreciarão a resignação do “melhor é impossível”.

A propósito de “não-soluções”, terem substituído metade do comando da Proteção Civil, em Abril, certamente por gente mais de confiança do que competência, é possivelmente a prova provada de que demitir pode não ser uma boa solução.

07 julho 2017

Europa à vista



Doze anos depois regressei a Istambul, a grande metrópole daqueles lados. Uma das cidades que nunca dorme.

Comecei com uma pequena escala no lado europeu, onde a visão do restaurante/bar “Reina” fechado após o ataque terrorista da última passagem de ano e de onde guardava/guardo memórias simpáticas me quereria dizer que a coisa estava diferente.

Em seguida, estive apenas baseado no lado asiático. Aquilo que eu imaginava como uma zona residencial de segunda, tipo a margem sul lá do sítio, é uma enorme e pujante metrópole, plena de novas construções, espaços comerciais, sede de empresas, etc. Apesar de sofrer também de alguma asfixia na circulação, é mais nova e diferente da “típica e histórica” zona europeia. A rua de Bagad, abstraindo-nos das matrículas dos carros e dos letreiros das lojas e restaurantes e olhado para as pessoas que circulam, que nem são turistas, podia ser perfeitamente… na Europa.

Senti como se o centro de gravidade da metrópole tivesse atravessado o Bósforo, deixando para trás a antiga Europa e projetando-se para uma mais pujante Ásia. Na linha do horizonte, vista do mar de Marmara, os seis minaretes da Mesquita Azul, agora com uma émula recente no lado asiático, e a basílica de Santa Sofia, cercada por quatro minaretes e onde ainda não desistiram de a transformar em mesquita. Alguma tendência hegemónica intratável?

A cidade já assimilou pragmaticamente o que aconteceu depois do golpe de julho passado. Deu-me a ideia de que há um limite que (ainda?) não foi passado e que, pragmaticamente, enquanto não o for, dá para viver. Ainda não foi desta que fiquei a entender quem é Gulen e quem realmente está por trás dele (a CIA, dizem…?).

Num longo jantar com vista sobre o mar, um agnóstico de matriz cultural cristã e outro de origem muçulmana discutiram o futuro da humanidade. Concordamos em praticamente tudo e garanto que a influência do raki foi bastante limitada!

05 julho 2017

Estes roubos (não) podem acontecer


Disse o Chefe de Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, acerca o escandaloso e vergonhoso roubo de material de guerra em Tancos:

"Estes roubos podem acontecer em qualquer Exército, em qualquer país, desde que haja intenções, vontades e capacidades."

Ao ler esta citação, fiquei com a ideia de que faltaria ali algum “não” na transcrição. Faria mais sentido dizer:
  1. "Estes roubos não podem acontecer em qualquer Exército, em qualquer país, desde que haja intenções, vontades e capacidades.".  Ou:

  2. "Estes roubos podem acontecer em qualquer Exército, em qualquer país, desde que não haja intenções, vontades e capacidades."
Mas, aparentemente, não foi o caso. Segundo o general, basta alguém ter intenção, vontade e capacidade e… nada a fazer! Lá se vai o material de guerra. É uma fatalidade.

É de realçar não se ter tratado de um roubo sofisticado com meios complexos. Foi assim como roubar um galinheiro. Chegar de carripana, cortar a vedação, fazer a colheita e partir. Julgo até que existirão galinheiros melhor protegidos!

Com um estado de espírito assim tão fatalista, não poderemos contar muito com estas forças armadas. Se forem atacadas com intenção, vontade e capacidade, pumba… já foste!

Eu sei que nós não queremos guerra nenhuma, mas para que precisamos então de suportar umas forças armadas se elas defendem tão pouco?? Dêem-lhes umas fisgas, sempre é mais barato e depois de roubadas fazem menos estragos.

PS: E gostei muito de um Ministro dizer que Portugal quer reaver o material roubado. Pelo menos, intenção já a temos.

04 julho 2017

Felicidade com a morte do mensageiro, ou a desgraça de 2 -3 não ser 5?


Podíamos discordar da visão e do discurso de Medina Carreira, podíamos não gostar do estilo, mas não podíamos duvidar de que ele acreditava no que no dizia, fundamentava o que apresentava e não foi parte beneficiada pelos desvarios governativos que temos sofrido, nem nunca o buscou.

Face aos números e razões por ele apresentados, os irresponsáveis respondiam com etiquetas, das quais a menos violenta seria talvez “pessimista”. Muitas vezes, à irresponsabilidade juntava-se a falta de educação. A avaliação de um estado de espírito tem algo de subjetivo, a falta de dinheiro para pagar as contas no final do mês, não. Quando isso acontece, é argumento pouco relevante o estado de espírito de quem o anuncia/ou.

Medina Carreira há largos anos que anunciava estarmos a ir contra a parede e era acusado de ser “mau agoirento” … e fomos contra a parede. Na manipulação e malabarismos com a realidade e a verdade de que os poderes tanto gostam e onde tanto investem (agora chama-se “spining”), receio que um dia ainda seja lançado um “alternative fact”, tipo: “a vinda troika foi culpa do Medina Carreira, foi ele quem deu a ideia”.

A pobreza material nem sempre é fatalidade do destino. Muitas vezes é principalmente consequência da pobreza de espírito. Independentemente da razão que assistia a Medina Carreira, encerrar (ou nem sequer abrir) o assunto com etiquetas grosseiras é de uma pobreza intelectual atroz. Inqualificável é o regozijo com que alguns comentam o desaparecimento do mensageiro pessimista. Na história do desgoverno onde vivemos e por onde temos vivido, o nome Medina Carreira, ficará associado a um dos poucos que teve a coragem de “chamar os bois pelos nomes” e de insistir que 2 – 3 dá -1 e não 5. Que alguém tenha aprendido algo com ele, são os meus votos, já que no global, ainda estamos longe de assumir a aritmética.


Foto André Kosters/LUSA

03 julho 2017

Titus Andronicus



Por cantos e esquinas do Museu da Imprensa, no Porto, deambulamos de novo atrás das “Produções Suplementares”, para mim, a terceira a que assisti.

Se é verdade que a primeira foi-me mais marcante, talvez pelo efeito novidade, foi de novo um gosto e um prazer seguir os vários quadros, numa encenação onde não há palco, onde o público se mistura com os atores, onde se vive a representação sem aquela barreira vincada entre a plateia e o palco.

Para além disso, bem feito, na minha opinião e com muita gente jovem. Mais uma vez, parabéns e duas recomendações: assistam e vão agasalhados!

01 julho 2017

E ainda o “coiso”…


Não resisti. Pelo que isto representa de “Portugal no seu pior”, pelo “por estas e por outras” é que não saímos da cepa torta.

1)      Para um concurso público desta importância e dimensão, apenas houve uma proposta. Não é normal. Estará relacionado com ter sido definido não apenas funcionalidade, mas também especificada uma tecnologia (Tetra), proprietária de um fornecedor/concorrente (Motorola) e um prazo para entrega de propostas muito curto?

2)      Um governo adjudicou, outro, de cor diferente, readjudicou com redução de preço e de valências. Comprar um veículo utilitário por 50 mil Euros é péssimo negócio; comprar o mesmo por 45 mil é melhor, mas continua a ser mau; comprar em alternativa um “papa-reformas” por 45 mil, é pior a emenda do que o soneto. Porque não se sabe exatamente o que foi alterado tecnicamente na segunda adjudicação?

3)      Em 2005 – 2006 já era claro o lado para o onde o vento soprava, tecnologicamente falando. A tecnologia usada pelas operadoras móveis iria enterrar o Tetra. Hoje isso está mais do que confirmado. Temos e pagamos um sistema frágil, caro e obsoleto.

4)      Das 4 unidades móveis de backup previstas, duas não estavam equipadas, uma tinha sido danificada na visita do Papa, há dois meses, e ainda não estava reparada, e a última estava em revisão na oficina. Isto pode parecer caricato, mas foi antes dramático.

5)      Para suprir a falta das estações móveis, o Estado encomendou agora, a correr, mais duas. É tão bom ter negócios destes. As coisas não funcionam como deviam, o cliente abre os cordões à bolsa e ainda se lucra com isso.

6)      Os donos do coiso dizem que ele “não falhou” e algumas antenas passaram apenas a “modo local”, que parece ser funcionar em “ilha”, sem ligação com o resto do mundo. É esta a performance esperada e necessária de um sistema destes? Vai uma aposta em que, quando a GNR enviou as pessoas para a estrada da morte, o sistema estava em modo arquipélago?

Não coloquei nomes de partidos, porque acredito não existirem diferenças fundamentais entre eles neste campo e parece-me estúpido e desrespeitador das vítimas discutir isto como quem discute penalties e foras de jogo. No entanto, se todos os condutores são azelhas, aquele que vai ao volante no momento do acidente tem responsabilidades acrescidas. Mas está “tudo bem” porque já foi encomendado e realizado um estudo evidenciando que a popularidade do governo não caiu depois disto. Que asco…