31 janeiro 2018

Bola preta


Parece que metade do país entrou em estado de choque porque a maldosa justiça entrou, e ao que parece a ferir, no futebol profissional, aquele negócio espetáculo a que se chama desporto, com bastante distorção.

Alguém minimamente atento ao que se passa neste mundo, estranha existir por ali jogo sujo e dinheiros com caminhos enviesados, não me estando a referir exclusivamente a Portugal? Será assim tão surpreendente que um dia apareça alguma porcaria à superfície, deste meio tão pouco recomendável? Só para quem andar ou quiser andar distraído.

Por essas e por outras, recomendaria a prudência que quem tem uma imagem pública a defender, guardasse alguma distancia destes ambientes. Por outro lado, não há crimes ridículos. Há leis genéricas, tão claras quanto possível, que enquadram e tipificam crimes e penas, com pesos previamente definidos. A justiça limita-se a aplicar essas leis, sendo terceiro mundismo vê-las em geometria variável, conforme os protagonistas ou o impacto internacional do caso.

Nesta borrasca, andam chocados, para lá dos distraídos genuínos, os tribalistas que não se conformam com verem afetados os da sua simpatia. É muito perigoso argumentar por aí, levaria à impunidade global. Enquanto o último ladrão estiver impune, é imoral condenar os que são apanhados??

29 janeiro 2018

Querer cabras e o que as cabras querem


Acho muito curiosas algumas notícias com títulos que são meras declaração de intenções, do tipo: “O ministro quer…” Sim, é importante o que eles querem, querer é um pouco poder, mas a omnipotência não está ao alcance de um comum mortal, mesmo sendo ministro.

Uma dessas notícias giras que vi recentemente era a de o governo querer apostar em cabras sapadoras, para prevenir os fogos florestais. A partir daqui, vou especular, mas a culpa não é minha, já que não encontrei em lado nenhum os detalhes necessários e relevantes.
Imaginando que tenho um hectare de terreno, grosso modo um campo de futebol, talvez 2 ou 3 cabras façam a monda necessária. Só que uma coisa é esta escala, outra coisa é coisa que se veja, com algum impacto no problema em causa.

Em média têm ardido em Portugal 100 mil hectares por ano e foram bastante mais em 2017. Como nunca se sabe bem onde vai ser o fogo, a área a necessitar de proteção será certamente superior a essa. Para simplificar, pensemos nesta ordem de grandeza, para não colocar excessivas responsabilidades nos pobres animais. Assim, dentro do rácio especulativo acima, necessitaríamos de lançar na natureza umas 200 a 300 mil cabras!

Imaginando que até se arranjam os animais, mas considerando que as zonas a proteger não são vedadas e que não vão ficar amarradas, coitadas… que garantias há de efetivamente permanecerem bem distribuídas, ainda por cima um animal com bastante espírito de iniciativa e excelente mobilidade? Não preferirão saborear outras culturas mais tenrinhas e apetitosas? Não se deslocarão para zonas urbanas, com todas a perturbações fáceis de imaginar? Como se iria controlar a sua população? Como se realizaria um controlo sanitário mínimo dos animais? Qual o impacto nos ecossistemas desta sobrecarga caprina? Não iriamos ter a algum prazo algures uma praga?

Obviamente que tudo isto são detalhes que não cabem no título daquilo que “o governo quer”. Para poder não basta querer, é também necessário pensar.

27 janeiro 2018

Coisas lá para casa


Quando fiz a minha prospeção de prendas natalícias gastei algum tempo na página da Tradisom, do amigo José Moças. Entre picando o que já sabia querer e cheirando o que talvez valesse a pena comprar, encontrei e encomendei um CD de um grupo chamado At Tambur, de quem nunca tinha ouvido falar, pecado meu.

De música não entendo muito e jeito para ela, bastante pouco. Simplesmente gosto ou não gosto do que ouço e há coisas de que gosto muito. E gostei muito desse álbum, achei-o uma coisa bastante bem feita e original. O CD é de 2003, tanto quanto soube o projeto não teve continuidade e o grupo já não existe.

Portanto, há uma dúzia de anos, alguém fez uma coisa muito interessante, aparentemente pouco divulgada, pelo menos para o meu nível de atenção, e desapareceu. Se agora o comprei e ouço, foi por ter decidido um dia escavar no catálogo da muito meritosa editora e divulgadora.

Onde quero chegar? Quantas coisas estarão a ser feitas hoje, fruto de muito esforço, com grande qualidade e a passar-nos ao lado? Hoje, numa altura em que as facilidades de divulgação são incomparavelmente maiores do que há uma dúzia de anos. Quando, com tanta facilidade, nos aparece à frente dos olhos um filme de um gatinho a trepar por um cortinado algures no outro lado do mundo...

Depois, há ainda os projetos que o pessoal até conhece, até estima, até põe uns gostos aqui e acolá, mas vai a correr sacar o mp3, porque a crise, coisa e tal. A guita não chega para tudo, certo, mas gastar mais facilmente os euros nuns drinks sociais, face a remunerar uma produção cultural que nos faz bem, apreciamos, sabendo que quem a fez também tem contas a pagar... pois...prioridades?

23 janeiro 2018

A arte de perder

Parabéns Alice Zeniter. O romance “A Arte de Perder” é uma excelente história da História cruzada desses dois países tão próximos e de relacionamento tão complexo.

O que hoje se chama Argélia foi desenhado pela França. Existiam culturas anteriores à colonização francesa, mas nunca tinham estado ligadas. Tizzi Ouzu tinha muito pouco, ou nada, em comum com Tlemcen, nenhuma delas com Tamanrasset, idem entre as anteriores e Argel e poderíamos ainda acrescentar algumas mais, sempre com o mesmo resultado. Todas essas cidades e regiões não se identificavam como pertencentes a uma identidade partilhada. Existia uma religião comum, quase hegemónica, e uma língua dominante, mas esse critério dá uma fronteira mais larga e até ignora a fortíssima identidade dos berberes da montanha com a sua língua e alfabeto próprios.

Passando ao lado do balanço e do detalhe dos benefícios e malefícios da colonização, a Argélia é filha, legítima ou ilegítima, da França e há ali uma coisa freudiana mal resolvida. Uma mãe que desconsidera o filho tresmalhado, mas sem o renegar completamente e um filho revoltado, repudiando o progenitor, mas sem deixar de lhe ter afeto.

No meio ficaram os harkis. Aqueles que por ignorância, interesse, amor ou desprezo escolheram o lado errado da guerra. São os locais (não gosto de lhes chamar árabes) que lutaram ou simplesmente colaboraram com o colonizador. No final quando este entregou o país aos vencedores, os harkis ficaram condenados. Ou a serem executados e das formais mais atrozes e imaginativas possível, incluindo serem cozidos vivos num caldeirão, ou a virem em conta-gotas e a contragosto para França, para estacionarem em campos como refugiados. Sessenta anos depois a Argélia ainda não os tolera, nem sequer aos seus descendentes.

No romance de Alice Zeniter, três gerações erram ao longo desses caminhos cruzados e desacertados. Da perspetiva histórica apenas senti a falta da referência às zonas cinza do terrorismo na década negra. Disse-me a autora que isso representaria outro romance, mas não me convenceu completamente. Bastavam dois ou três parágrafos sobre o assunto. A menos de um fecho um pouco atalhado, é uma história que dá gosto ler e uma viagem bem feita por uma História emaranhada que baste.

(Sei que não estou a fechar bem o texto, mas há temas difíceis de fechar…)

19 janeiro 2018

Aos cidadãos dos países de merda


Mister Trump, um kind of não sabe muito bem o que faz, não pensa suficientemente no que diz, referiu-se a alguns países do terceiro mundo como países de merda. Pela forma, não pode falar assim e pelo conteúdo falhou redondamente ao estender o atributo aos cidadãos desses países. De facto, há aí gente muito boa, como também não falta gente de merda no primeiro mundo. Agora, é bem verdade haver países que são mesmo países de merda, believe me

Os países de merda, na sua grande maioria, não o são por desfavorecimento geográfico ou herança histórica. São-no fundamentalmente por terem uns dirigentes de merda, que se estão altamente cagando para os seus cidadãos – believe me

Quando este mundo que fala e se faz ouvir, vem severamente criticar, com razão, o Mister Trump, fica assim kind of halfway. Deviam aproveitar para criticar também sem pejo nem complexos esses dirigentes de merda, que bem se governam, transformando os seus países num inferno para os restantes cidadãos, humanos como nós, que têm a merda do azar de terem nascido num país de merda. E, que os há, há… believe me

 (Entretanto, julgo ter esgotado a minha quota de palavrões para o que resta do ano…)

18 janeiro 2018

Fazer um rio


Os rios só estão completos na sua foz, quando acabam. Até lá, vão sempre recebendo contributos, com maior ou menor relevância, mas transformando-os continuamente. Nomear o local de nascimento de um rio, como se uma parte significativa da água que chega à foz tivesse cumprido o percurso completo, é uma imagem engraçada, mas pouco precisa.

O Douro não nasce na serra do Urbião como se aprende na escola. Uma parte muito significativa dele é filha de toda a drenagem sul da cordilheira cantábrica. Como dizem em Vallodolid, o Douro tem a fama, mas o Pisuerga tem a água.

Um rio faz-se e refaz-se ao longo do caminho e o Douro com a sua forte personalidade não é aqui chamado de forma inocente. Recordo-me de num voo acordar e espreitar pela janela, para tentar entender onde estava. Em dois segundos identifiquei o Douro na Valeira, por não conhecer nenhum outro local com aquela assinatura.

O Douro, quando entra em Portugal, nasce de forma muita dura, não nasce?

17 janeiro 2018

Coisas de engenheiro


Começo com uma declaração de contexto e eventual interesse: sou engenheiro, de formação e acho que de vocação. Talvez não seja um exemplar puro, puro, mas também não me enquadro numa das raras exceções enunciadas pelo Dilbert. Concretizando e citando de memória: não sou do tipo genuíno que ao pegar num comando remoto se interroga sobre o que será necessário fazer para o transformar numa pistola de choque; nem serei daqueles raros que não se interessam pelo principio de funcionamento de uma máquina ou utensílio, desde que a coisa funcione. Quando tenho algo na mão, ou à vista, preciso obrigatoriamente de entender minimamente como a coisa é e o que se passa lá dentro. O mesmo se aplica a números ou teorias que me apresentem. Tendo sempre a procurar descascar a coisa…

Vem isto a propósito da falta de rigor na promoção das vantagens ambientais dos carros elétricos. É moda, é cool, é zero emissões, é fantástico! Até a Tesla anuncia ir fazer camiões elétricos para motivar uns investidores a meter mais uns cobres na empresa, que para já só gasta, sempre a perder. Até os políticos descobriram ser fixe legislar a favor dos elétricos.

O veículo elétrico será “zero emissões” se a energia elétrica vier exclusivamente de fontes renováveis. Como não é o caso atual, nem o será a curto/médio prazo, mais necessidade de energia elétrica implica mais consumo de petróleo, gás, carvão e afins, já sem falar em nuclear. Assim, as contas deveriam ser entre ter um combustível, ele ser processado, transportado e utilizado num veículo tradicional ou, em alternativa, começar por queimá-lo para produzir eletricidade, transportá-la, carregar baterias, tudo isto tem perdas, e finalmente ter energia mecânica no veículo. Qual o impacto global do caminho completo em ambos os casos?

Não haverá uma forma única de fazer estes cálculos e o segundo caminho até pode ser mais vantajoso em termos ambientais, mas zero emissões não o será, nunca. Enquanto não saírem contas deste tipo, abrangentes… é marketing, coisa de pessoal irresponsável e de utilidade duvidosa, na perspetiva dos engenheiros genuínos, que, muito pragmaticamente, não reconhecem grande mérito ao parecer. Quem discordar, faça o favor de imaginar um automóvel cujos travões parece que travam…

16 janeiro 2018

Onde estarias num dia BES?


Já foi costume perguntar “Onde estavas no 25 de Abril?”, para localizar o interlocutor nalgumas dimensões. Com o avançar dos anos, chamar essa data já começa a ser pouco relevante, dado haver cada vez mais gente posteriormente chegada.

A eleição de Rui Rio para líder do PSD, face a Santana Lopes, é uma boa notícia, independentemente de todas as incertezas. O partido não se escapa, no entanto, à vergonha de ter tido quase metade dos votantes a pedir o regresso do menino guerreiro, que já provou, reprovou e que não vale a pena provar de novo.

Sai Passos Coelho, por quem não tenho grande simpatia, acho até algo limitado, mas há uma teoria segundo a qual um líder eficaz não pode ser muito inteligente. Deixando em aberto o seu posicionamento neste enquadramento, a fustigação a que foi sujeito desde as últimas eleições foi desproporcionada e teorizo duas razões para tanta aversão.

A primeira razão tem a ver com o ter ganho as legislativas e não ter governado. Como se a legitimidade parlamentar da geringonça não chegasse e fosse necessário derrotar de alguma forma, à posteriori, o vencedor. A colagem da troika e das suas restrições a Passos Coelho, quando até Tsipras faria/fez o mesmo, provoca um despiste de razões e responsabilizações, que não ajuda nada a evitar nova receita.

A segunda razão será o famoso "não" a Ricardo Salgado. Teoriza-se hoje se os estragos teriam sido maiores ou menores com mais uma mãozinha. É daqueles palpites difíceis mesmo no fim do jogo, mas quando se anuncia que estão dados como perdidos os quatro mil e novecentos (4900) milhões que o Fundo de Resolução injetou no “banco bom” (dos buracos do “mau”, nem falar…), se calhar a necessidade não seria uma mãozinha, mas uma boa sucessão delas. Certo é que a recusa da mãozinha ao BES não foi, nem nunca lhe será perdoada, mesmo por gente da sua família política.

Apetece-me agora perguntar a Rui Rio: onde estará num dia BES? Pergunta sem sentido, dado já não existir BES? Não! Sucessores e sucedâneos não faltam nem nunca faltarão!


Imagem RTP

14 janeiro 2018

O que sobra


Sobraram-me formulários de entrada e saída na Argélia, da minha reserva estratégica. Não conto as vezes que os preenchi nos últimos doze anos. Aliás, até pensei em fazer um carimbo, de tantas as vezes ter que escrever o mesmo. Até nas saídas e chegadas dos voos internos. Se tivesse feito o tal carimbo, provavelmente isso seria irritante para os funcionários que, não raras vezes, se entretinham cuidadosamente a colocar os traços dos “ts” horizontais, os pontos no sítio dos “is” e a prolongar convenientemente as pernas dos “ns” e “ms”. Tudo isto entre, atrás, uma fila de três quartos de hora e, à frente, um pórtico de segurança que apitava inconsequentemente para toda a gente que o atravessava. Apesar do rigor na caligrafia, outros detalhes eram pouco relevantes, como prova o facto de alguém ter andado largos meses a indicar para local de estadia no país um hotel clássico...na altura fechado para obras (para quem conhece, o Aurassi).

Foi há uns doze anos que na sequência de uma descontinuidade me questionaram: Angola ou Argélia? Em poucos segundos, respondi Argélia. Ao fim destes anos, não é fácil uma síntese e até nem costumo ter muitas dificuldades com isso. São tantas os sim, mas… claro, mas… País básico e mal definido. Gente terrível e humana. Alguém, experiente no terreno, dizia ser um país exótico, que tornava as pessoas exóticas, proporcionalmente ao tempo de permanência. Sendo-se mau juiz em causa própria, não sei avaliar até que ponto me “exotizei” e em que medida de forma irreversível.

Todos os dias adormecemos diferentes de como acordamos, conforme o que vimos, vivemos, gozamos e sofremos. Talvez uma parte das brancas que me nasceram, tenham génese no desespero que é por ali tentar fazer coisas que por cá nos parecem triviais. Mas também, certamente, a minha dimensão humana, o que quer que isso seja, como quer que isso se meça, tenha ficado brutalmente maior depois de por ali passar. Talvez seja esse o balanço fundamental: pessoas, pessoas e pessoas, para o bem e para o mal, como quer que isso se avalie.

Quanto aos formulários que sobraram… entregam-se a quem provar ter necessidade.

12 janeiro 2018

Contra um certo tipo de feminismo


Começo por afirmar e recordar que lamento e condeno profundamente a condição da mulher constatável em muitos locais do mundo, fonte de enormes frustrações e incompatível com um mínimo de dignidade humana a que todos têm direito. Sem entrar em particularização sobre situações concretas que conheci, gostava de ver o movimento feminista a denunciar mais ativa e firmemente o que de muito grave se passa nalguns recantos do mundo, que também é o nosso – “Todas as crianças são como a tua”, J. Brel.

Sou contra um certo tipo de feminismo que simplifica abusivamente o problema. Sou contra a perspetiva redutora do elas, todas vítimas, e eles, todos agressores. Aliás, este maniqueísmo acaba por casar mal com a flexibilidade dos géneros, tema de grande destaque na atualidade. Um “trans”, que supostamente atravessa a fronteira, passa automaticamente de vítima a agressor e vice-versa?

O que está em causa, a criticar e a banir são atitudes objetivas e concretas. Nem todas as mulheres são vítimas, nem todos os homens são agressores, nem sequer potencialmente. Ao acusarem, façam o favor de serem específicas/os, sem generalizações. Numa manifestação recente sobre este assunto, vi um “bem-intencionado” exibir um cartaz: “Paremos de as matar” – fala por ti, pá!

No fundo, está em causa um abuso sobre alguém em posição de fraqueza e isso, infelizmente, não é específico de um género. O sistematizar a mulher no lado do “fraco” é estar implicitamente a assumir uma menoridade e uma fragilidade, que não ajuda nada à assimilação da igualdade teórica e prática de direitos e de estatuto.

Sou contra um certo tipo de feminismo rancoroso para quem os homens são genericamente “porcos”. Vejo nisso mais uma grosseira manifestação de misandria do que uma defesa de direitos.

Para terminar, dei-me ao trabalho de traduzir a parte inicial do manifesto das 100 francesas, incluindo Catherine Deneuve, sobre os excessos do #metoo. Leia quem quiser informar-se, já que a forma como foi noticiado em alguns órgãos de comunicação social não ajuda. Quem não quiser, pode reagir com a agressividade “religiosa” que (algumas) feministas manifestaram. O texto, ponderado, merece reflexão. A intolerância redutora não ajuda nada a questão de fundo, demasiado importante para não ser abordada racional e friamente.

Tribuna. A violação é um crime. Mas o tentar seduzir alguém de forma insistente ou desajeitada não é um crime, nem a galanteria é uma agressão machista.
Como resultado do caso Weinstein, houve uma consciência legítima da violência sexual contra as mulheres, particularmente no local de trabalho, onde alguns homens abusam de seu poder. Ela era necessária. Mas essa libertação do discurso torna hoje o seu oposto: somos intimados a falar de uma única forma, a silenciar o que incomoda e quem se recusa a cumprir tais injunções é considerado traidor, cúmplice!
Está aí uma característica do puritanismo, apropriar-se, em nome de um pretenso bem geral, dos argumentos da proteção das mulheres e sua emancipação para melhor as prender a um estatuto de vítimas eternas, pobres pequenas coisas sob a influência de falocratas demoníacos, como nos bons velhos tempos da feitiçaria.
Delações e acusações
De fato, #metoo provocou na imprensa e nas redes sociais uma campanha de denúncias públicas e de acusações de indivíduos que, sem terem oportunidade de responder ou se defenderem, foram colocados exatamente ao mesmo nível dos verdadeiros infratores sexuais. Esta justiça expedita já tem suas vítimas, homens que são sancionados no exercício de sua profissão, obrigados a demitir-se, etc., quando o seu único erro foi terem tocado um joelho, terem tentado roubar um beijo, falado sobre coisas "íntimas" num jantar de trabalho ou enviado mensagens sexualmente explícitas para uma mulher quando não havia atração recíproca.
Esta febre de enviar "porcos" ao matadouro, longe de ajudar as mulheres a autonomizarem-se, serve na realidade os interesses dos inimigos da liberdade sexual, dos extremistas religiosos, dos piores reacionários…

Imagem googleada

10 janeiro 2018

Assim, tipo tiro no pé


Alguém, não importa quem, podia ser o Papa Francisco, Vladimir Putin, Jean Marie Le Pen, ou o Sr Silva quando comprava cigarros na tabacaria, declarou publicamente considerar as operações cirúrgicas de mudança sexo de “uma inaudita brutalidade”. Manifestou a sua opinião sobre o assunto e… cortar cordas vocais, extrair testículos ou retalhar um pénis não são coisas propriamente ao mesmo nível de mudar a cor do cabelo.

Outro alguém achou que essas afirmações constituem crime e apresentou queixa no Ministério Público, invocando, com uma boa dose de distorcida amplificação que “a sua mensagem é susceptível de favorecer a prática de atos de violência homofóbica e transfóbica”. Entendo que num Estado de Direito apresentar uma queixa é um direito que assiste a qualquer um. Alguém decidirá em seguida se o assunto avança ou não.

Importa neste momento precisar que quem apresentou queixa foi um organismo público, governamental, a CIG. A seguir, importa acrescentar duas coisas. A primeira é que as questões relativas à igualdade de género em Portugal devem estar num nível de excelência assaz elevado, para a referida comissão não ter nada mais prioritário a tratar; a segunda é, meus senhores, qual o vosso modelo de sociedade e de pluralismo da mesma? Pode-se achar, e até legislar, que um galanteio é crime, mas alguém considerar ser brutal cortar à faca órgãos sexuais já é assunto de polícia?

Se o objetivo é conseguir maior tolerância e aceitação na sociedade em geral para estas situações e opções, atitudes absurdas como uma acusação ridícula assim, terão efeito contrário – o chamado tiro no pé.

Por último, é de assinalar que de acordo com a ciência, que desesperadamente também tenta fazer ver aos criacionistas que o mundo não foi criado assim tal qual em sete dias por nenhuma divindade, existem efetivamente dois e apenas dois sexos, geneticamente diferenciados. Não tendo nada contra preferências afetivas e estilos de vida que cada um queira assumir, recordo que a existência da espécie humana depende da realização de atos sexuais entre homem e mulher.

08 janeiro 2018

O menino guerreiro ataca de novo!?


Dizem por aí peritos e especialistas que o “animal político” Santana Lopes ganhou o debate com Rui Rio. Fico na expetativa da reação do PAN a esta alegoria. No entanto, qualquer português que queira usar racionalmente a cabeça, conclui facilmente que o país não necessita de ser dirigido por animais políticos, mas sim por gente séria e competente. Até o PAN concordará. Aliás, entre supostos irracionais mais ou menos ferozes e meninos de ouro (com o dito em bolso próprio) já tivemos más experiências que baste.

Não é que eu tenha grande simpatia por Rui Rio, mas, pelo menos, dou-lhe o benefício da dúvida e reconheço-lhe um mínimo de competência e de seriedade. Infelizmente, receio que uma parte significativa do aparelho do partido aposte no menino, já menos menino. Sendo prioritário regressar ao poder, constatando-se que uma boa parte do eleitorado é bastante sensível a papas e bolos e que o interesse do país passa a coisa secundária, um discurso “bar aberto” é mais eficaz do que qualquer referencia chata a contas certas e ponderadas. Falar de contas equilibradas é coisa para mentes mesquinhas, sem visão, as únicas que se preocupam com tais minudencias.

Em resumo, o cenário de uma hipotética disputa para PM entre António Costa e Santana Lopes é dos cenários mais indigestos que posso imaginar e não me venham com graçolas farmacêuticas, que a coisa não é para rir. Muito sinceramente, qualquer entusiasmo com o menino guerreiro só pode vir de quem tem (quer ter) amnésia ou está motivado por algum interesse que não é o do sucesso do país. Não acrescento à lista limitações intelectuais, dado não acreditar existir tanta gente burra.

Para quem não sofre de amnésia e coloca o interesse do país em primeiro lugar, ver o PSD escolher o menino guerreiro é chamar-nos burros… e isso, chateia-me!

04 janeiro 2018

Como todo o mundo é composto de mudança


Nada tenho contra a mudança como conceito em geral, terei uma opinião positiva e negativa quanto a cada mudança em particular e irritam-me as tendências generalizadas de mudança acéfalas e acríticas.

Dentro das mudanças significativas recentes, uma que deixará certamente um antes e depois é a denúncia das situações de assédio sexual. Já abordei o tema antes e o meu aplauso a tudo o que seja limitar e castigar estes abusos. No entanto… no entanto… daí a declarar o Príncipe da Bela Adormecida um predador sexual, como li recentemente, vai uma distância e a ultrapassagem de uma fronteira entre a sensatez e a estupidez.

Por um lado, está-se a ignorar o contexto da fantasia onde as intenções e expetativas estão bem definidas e conhecidas, de ambos os lados. Por outro lado, tentando transpor a situação para uma realidade, que, insisto, não é o caso deste e de outros contos fantásticos (no sentido simples da palavra) e quem os lê sabe bem disso, chamar crime a acordar alguém com um beijo terno… será coisa de quem não sabe nem imagina o que isso é.

O Jorge Palma que se prepare, porque aquele reparo a quem “nunca roubou um beijo” está mesmo a pedi-las. Já deve faltar pouco para ser necessário um termo de aceitação escrito, assinado e reconhecido em notário antes de poder abraçar alguém. Melhor assim do que ao contrário? Sim, mas muito pobres serão aqueles para quem as alternativas se resumem a estes dois tristes cenários extremos.

Acho que qualquer criancinha saberá distinguir o Príncipe em causa de um predador e quem por aí isso teoriza devia receber umas lições de maturidade, nem que seja de uma criança. Invocando a igualdade de direitos e princípios, aproveito para declarar, mesmo sem passar em notário, que se uma princesa me acordar um dia com um beijo, não levarei o assunto a tribunal.

03 janeiro 2018

Prometo tentar


Um destes dias, duas pessoas que muito prezo, faziam-me uma observação de que os meus textos eram demasiado sérios e muito sistematicamente críticos. Eventualmente, até concordariam na generalidade com o conteúdo, mas a coisa resultava pesada.

Lá tive que pensar. Pronto, é uma mania. Será que tendo a ser predominantemente negativo, sempre e só a criticar e a ver e o que está mal, incapaz de reconhecer o que está bem? Bom… acho que tenho alguma facilidade em falar positivamente sobre artistas e criadores em geral. Assim, “tipo” Albert Camus, Jacques Brel e aproximados…

O problema… o problema é que a nossa vida, o nosso futuro e o dos nossos depende de outra natureza de personagens. Aqueles que nos veem buscar dinheiro ao bolso e que decidem sobre uma série de coisas que muito contribui para a felicidade e infelicidade do mundo. Eu nem sou muito exigente com esses. Apenas peço que sejam sérios. Sérios materialmente, no sentido de não se apropriarem daquilo a que não têm direito, e sérios intelectualmente, de não prometerem a Lua para amanhã e a Via Láctea para a semana.

Fazer de conta que não é importante, ignorar, deixar andar, não … não é sério. Estão demasiadas coisas em jogo. Pegar-lhe pela ironia, pelo sarcasmo, para a coisa ficar mais leve, é perigoso. Perigoso, porque pode resvalar para um registo insolente que fira, não os diretamente visados, mas pessoas amigas que neles acreditam e que me merecem respeito. Daí procurar manter objetividade e tentar não fugir muito do cada coisa é o que é, cada palavra no seu sítio, sem floreados nem muitas graçolas.

Pronto… de qualquer forma prometo tentar ver mais positivo e o meu visitante habitual, de pelo preto (ainda se pode usar este adjetivo?), é testemunha!