26 fevereiro 2018

Sobre o SNS


Leio que os atrasos no pagamento aos fornecedores do SNS iam ser resolvidos, mas não foram. A verba anunciada como disponibilizada foi bloqueada. Parece aqueles regimes “esquisitos” que libertam um individuo preso abusivamente para o irem buscar de novo, passadas umas horas, por outro motivo qualquer.

Leio que investimentos “aprovados” para o SNS, incluindo para tratamentos oncológicos, continuam bloqueados. Vejo notícias dos caos nas urgências e das cirurgias adiadas. Vejo na televisão que médicos e enfermeiros ameaçam com greves na luta pelos seus direitos. Ou seja, o que é que está bem e estável no SNS? Nada disto está relacionado com a reversão das 35 horas para a função pública, pois não? Nem tem nada a ver com os quadros catitas que as cativações permitiram comprar, pois não?

Entretanto, o pessoal continua entretido com as tricas e mexericos em torno da nova liderança do PSD, com o desplante da PGR que não respeita quem deve, com o acesso dos cãezinhos e das iguanas aos restaurantes e, é claro, mais do que tudo, com os disparates diários em torno daquilo a que se chama futebol.

O país está porreiro. É só questão de ter sorte.

24 fevereiro 2018

World Press Photo


A imagem acima do argelino Hocine Zaourar ganhou o prémio “World Press Photo” em 1997. Ficou conhecida como a Madona de Benthala e a imagem foi captada no dia seguinte ao terrível massacre ocorrido nessa pequena aldeia da periferia de Argel em 22 de setembro desse ano. A imagem é muito forte, apesar de tudo não tão forte quanto ao massacre em si, onde paulatinamente e metodicamente um comando de supostos terroristas islâmicos andou durante largas horas, de casa em casa, degolando, rachando cabeças à machadada e, para as crianças mais pequenas, projetando-as e rebentando-lhes o crânio contra as paredes, sem ser minimamente incomodado pelas forças da ordem posicionadas nas proximidades e, no final, abandonou calmamente o local no final, sem sobressaltos. Ainda hoje há dúvidas por esclarecer quanto aos autores e motivações desses massacres bárbaros, ocorridos nessa altura.

Como detalhe, a foto foi publicada em centenas de jornais no mundo, mas pouco apreciada no país de origem, onde o seu autor foi processado e acabou por ver ser-lhe retirada a acreditação profissional e, assim, impedido de trabalhar.

Esta história ocorre-me ao ver anunciados os finalistas ao WP deste ano e ao constatar a enorme percentagem de fotos de cenários de guerra ou de tragédia humana. Sim, a fotografia, especialmente de reportagem, serve para tornar visível desgraças em curso; não, a fotografia, mesmo de reportagem, não deveria ser apenas de desgraça; não, o entender das desgraças não deve ficar apenas pelas fotografias, por mais espetaculares e eloquentes que sejam. Sobre a história para lá da foto de 1997, recomendo “Qui a tué à Benthala” de Yous Nesroulah… e não o tentar comprar no país de origem.

21 fevereiro 2018

E o meu carvalho?


Como muitos portugueses, recebi um folheto governamental com as recomendações e obrigações relativas à prevenção dos incêndios florestais. A parte que diz respeito à proteção das casas, aqui reproduzida, é pouco clara.

Por um lado, define a obrigação de limpar mato e cortar árvores num raio de 50 metros em redor das casas. Por outro lado, em letra pequena em baixo, diz “cortar árvores e arbustos a menos de 5 m da edificação…”. Como ficamos, 50 ou 5? Mesmo com o critério dos 5 metros, o meu carvalho estaria incluído. Sou mesmo obrigado a cortá-lo?

A limpeza das copas está mal definida, além de representada de forma pouco precisa. Presumo que no que diz respeito à altura, o objetivo será ter o tronco limpo até 4 metros de altura. Para qualquer espécie, para qualquer idade? Se formos limpar a maior parte das árvores de fruto até 4 metros, sobrará pouco… Na horizontal, os 4 metros são entre copas de árvores contíguas? Nas situações onde isso não ocorre, é necessário abater as árvores em “excesso”? A ser rigoroso com estas instruções, cheira-me que não sobrarão muitos pomares incólumes pelo país. Não faria sentido isto ser um pouco mais contextualizado, conforme espécies, tipo de exploração e zona?

Onde o folheto é muito claro é na questão das multas, com a particularidade de este ano serem a dobrar! De acordo com o folheto, o meu singelo carvalho pode custar-me 10 mil euros! Como é bem possível, por outro lado, existir legislação que penalize o abate de carvalhos, tenho que me informar e avaliar qual será o prejuízo menor.

Terão mudado algumas cabeças, mas mantém-se a ligeireza, apenas acrescida de chico esperteza: quando houver a próxima vaga de incêndios, a “culpa” será obviamente de quem não cumpriu estas obrigações irrealisticamente vastas e vagas.

19 fevereiro 2018

No país das centrais nucleares fumegantes


Se o leitor acredita que a indústria de celulose é algo de pestilento e criminoso, provavelmente viverá num país de centrais nucleares fumegantes e é melhor ficar por aqui. A indústria de celulose na Europa é liderada tecnológica e normativamente pelos países nórdicos, especialmente a Finlândia e a Suécia, e aí efetivamente não existem centrais nucleares fumegantes. Bom, não é bem assim, a Alemanha e Áustria têm também uma importância relevante, até existem fábricas inseridas em meio urbanizado, mas, enfim, tudo isso são países que dão pouco importância às questões ambientais.

As normas quanto aos impactos ambientais da indústria são definidas, e cumpridas, a nível europeu, com força de lei, segundo as melhores práticas do sector. Em certas circunstâncias podem ser mais restritivas, mas, no mínimo, com algum planeamento razoável. O Estado dizer a uma indústria, o teu limite é “x” e, dois anos mais tarde, depois de a empresa investir fortemente para o cumprir, dizer: Desculpa, enganei-me… paciência… Não é o ideal.

Estou a chegar efetivamente ao Tejo que tem um problema de caudal e de qualidade da água. É importante diagnosticar, a começar por qual a parte importada de Espanha, onde frequentemente há notícias idênticas, especialmente depois de ele receber os efluentes de Madrid. O convénio acordado está a ser cumprido? O que está acordado defende suficientemente os nossos interesses? Qual a influência das cinzas dos incêndios, das várias indústrias e das Etars de efluente doméstico? Para um habitante do país das centrais nucleares fumegantes, isso não interessa, porque a culpa só pode ser das celuloses.

Não sei quantas empresas irão fechar neste processo, mas duma coisa estou certo: dificilmente alguém fará um investimento a sério no vale do Tejo, num cenário de tanta instabilidade normativa. Para os habitantes desse tal país, não faz mal nenhum. As chaminés até estragam a paisagem, quando por lá se passeia. Só que o interior do país não deveria servir apenas para passear ao fim de semana. Devia ter residentes e, para isso, convém haver emprego e, gostem ou não de chaminés, é a indústria que proporciona emprego em quantidade e qualidade. Nos outros países acima referidos, não faltam chaminés, mas esses são uns tristes.

Esta citação recorrente vem de uma intervenção de um expert na televisão, em horário nobre, declarando que ao passar próximo de uma celulose “pelo fumo até parecia uma central nuclear!”. Dois em um, duas asneiras grossas na mesma curta frase. O que ele vê não é fumo, é vapor de água, e as centrais nucleares nem chaminés têm. Estes detalhes e imprecisões são irrelevantes para os habitantes dos países das centrais nucleares fumegantes. A culpa será de quem eles querem que seja e é malhar a eito

15 fevereiro 2018

Assim, tipo Porsche


Dizem que muitas pessoas, chegando a uma certa idade, têm uma espécie de mania, enfim… digamos que de procurar regredir uns anos, buscar uma segunda juventude… sei lá, coisas que por aí se dizem. Nessa fase, alguns compram um Porsche. De realçar que, estatisticamente falando, deve ser mais provável ter dinheiro para um Porsche aos 50 do que aos 20.

No entanto, talvez não seja mesmo preciso arranjar um Porsche, ou um Maserati conforme as preferências, para encontrar algum gosto de rejuvenescimento, liberdade e aventura. Uma simples, ou não tão simples, bicicleta também serve? Se calhar, sim…

O que é que leva tanta gente a sair para a estrada e para o monte e a galgar quilómetros e calhaus? Sim, há gente de todas as idades, eu próprio comecei a pedalar com alguma regularidade ainda na adolescência, mas … acho não errar muito se disser que há ali uma franja de idades assim mais para cima, dos que já não passam a noite nos copos, nem se distraem tanto em casa pela manhã.

Num artigo que li recentemente sobre a febre das bicicletas, que nalguns casos atinge temperaturas elevadas, até apresentavam um acrónimo inventado para o fenómeno – MAMIL (Middle Age Men In Lycra…). Sem comentários! Não, não sou um MAMIL!! Quando muito serei um JMIMELQEF (Jovem de Meia Idade Metade Em Lycra Quando Está Frio).

Há uma oração boa para caraterizar o contexto MAMIL – “Senhor, se eu morrer não deixes a minha mulher vender a minha bicicleta pelo preço que eu disse que ela custou!”. Enfim, mais uma vez, não será o meu caso, até porque a minha bicicleta de estrada ainda é a mesma da adolescência.

O indiscutível é existir uma enorme sensação de liberdade e de autossuperação ao ver deslizar quilómetros em cima de uma das máquinas mais simples e geniais que existem.

11 fevereiro 2018

Not famous, not blue, not raincoat

Ao contrário doutras peças de vestuário, das quais há muitas, dizem que chapéus, mas na realidade mais as camisas, sobretudos e gabardines costumamos ter poucos e, muitas vezes, principalmente um, o favorito.

Questão não precisar de ir para lavar tão frequentemente, questão de economia na carteira e até de espaço nos roupeiros e até de identificação mútua ou de relação afetiva com o tal. Tanto assim, que no inverno acabamos por nos identificar e ser identificados com o agasalho oficial da estação, atravessando este facilmente vários anos. Fica a dúvida de até que ponto essa identificação é toda definida de nós para ele na escolha que fazemos ao comprar, ou se não há uma parte dele para nós quando posteriormente nos moldamos ao dito cujo.

Um trovador, o tal que merecia o Nobel da Literatura mais do que o outro, tem uma belíssima canção sobre uma famosa gabardina azul, mesmo rasgada num ombro. Aquela minha coisa aqui representada, ainda não rasgou, mas começa a ter um desgaste de anos acumulados já a chegar ao limite da decência. Um grave problema. Reformar um sobretudo é arquivar uma parte da nossa história, coisa que nem sempre apetece, e quando mudamos de agasalho, mudamos até da forma de andar, acho…

Divago em excesso? Seja! Não há vida sem divagação e, falando em vida e balanços de vida, vou buscar uma das mais belas frases do tal trovador, uma que poucos rejeitariam para epitáfio:

“Like a bird on the wire, like a drank in a midnight choir, I’ve tried in my way to be free.”

Obrigado L. Cohen

08 fevereiro 2018

Memórias do muro


Esta semana cumpriu-se uma data curiosa relativamente ao muro de Berlim. Igualou-se o tempo que esteve construído com o tempo decorrido após a sua demolição. Quem diria…

Olhando hoje para essa memória, apetece-me evocar duas coisas. Em primeiro lugar a sua natureza direcional. O seu objetivo não era evitar a entrada de pessoas (ou de latas de coca cola). Era evitar as saídas. Em segundo lugar, a indiscutível melhoria das condições de vida, pelo menos, para não complicar, na ex Alemanha de Leste, decentemente governada. É possível hoje, racionalmente, defender a bondade desses regimes que, conforme disse Camus, tinham tanto de socialista como a Inquisição de cristã? Racionalmente, obviamente que não.

Há, no entanto, e haverá, nostálgicos desses tempos, enquadrados em dois tipos. Uns são os religiosos. Aqueles que acreditam dogmaticamente num modelo, apesar de após cem anos e ensaios em vários continentes e culturas, ter sido sistematicamente incapaz de proporcionar bem-estar material e intelectual de forma sustentável aos seus povos. Face as estas evidências, continuar a crer, é coisa do domínio religioso.

Outros são os que valorizam um certo paternalismo tranquilo do regime. Não é assim tão raro nos pós-ditaduras. Também por cá temos nostálgicos dos tempos respeitosos da “outra senhora”. Como se face a ter um caminho livre a descobrir, a arriscar, haja quem prefira ser levado pela mão. Pensa-se menos…

E, por favor, não me evoquem a pretensa superioridade moral, da solidariedade, da defesa dos desfavorecidos e etc. Na prática, a prática passou por uma oligarquia de privilegiados, muito pouco escrutinados, que, apesar das argumentações bonitas, foram incapazes de proporcionar vidas decentes aos seus povos.

Enquanto não lermos seriamente o passado, corremos sempre o risco de um futuro sombrio.


Foto de um Trabant no Memento Park, em Budapeste, onde arrumaram estátuas e outros monumentos "socialistas", anteriormente distribuídos pela cidade.

07 fevereiro 2018

Vendendo Coisas


Elon Musk tem mérito. É um empreendedor incrível, merecendo admiração por ter lançado projetos ambiciosos e realizado façanhas ao alcance de muito poucos. Implantar uma nova marca e um novo conceito automóvel, num sector económico e industrial tão exigente e consolidado, capaz de, pelo menos, fazer refletir os monstros instalados, é obra.

Só que, o reconhecimento desse mérito, não deveria implicar miopia. A Tesla não consegue aumentar o ritmo de produção do famoso modelo 3, o tal que iria definitivamente dar a escala necessária à empresa. Quem alguma vez na vida já fez alguma coisa nova de raiz, sabe que prazos nestes processos são sempre coisa difícil de dominar. No entanto, investimento feito sem produção correspondente é um problema muito grande. Apesar de toda a excitação, a viabilidade económica da Testa está tudo menos garantida.

Assim, Elon Musk, precisa regularmente de arranjar mais massa. Necessita convencer a malta de que “amanhã é que a coisa vai ser”, investindo muitíssimo em marketing de imagem e na alimentação/renovação de expetativas. Aquela coisa de querer colonizar Marte, a mim, parece-me mais coisa de imagem, de autopromoção do que coisa real e com significado “per si”. Se o gajo diz que quer (vai?) pôr pessoal em Marte, construir carripanas de quatro rodas deve ser coisa trivial para ele – infelizmente, não está a ser.

O recente lançamento do Falcon Heavy, para lá do sucesso técnico objetivo, é, em muito, um golpe publicitário. Com tanta sucata que já existe no espaço, não arranjavam coisa mais útil para enviar do que mais sucata, neste caso vermelha? Claro que o povo adora e vamos lá comprar um carro, ou umas ações, da tal empresa, supersexy, a única que manda carros apodrecer no espaço? Chique…!

05 fevereiro 2018

Indignados e escandalizados

Tanta gente indignada e escandalizada com o caso PGR x Centeno...

Tentando ser objetivo, o Sr Luis Filipe Vieira não é flor que se cheire, assim como uma boa parte dos seus pares no sector, e as evidências estão a aparecer aí, ao dobrar da esquina. Têm também, ele e família, questões relevantes com o fisco. Seria prudente, para quem tem uma imagem de credibilidade a defender, cultivar alguma distância a estes meios e ser seletivo com a quem se dá ou de quem recebe palmadinhas nas costas.

Quanto ao argumento de, por questões de segurança, o ministro precisar de “ser convidado” para aquele local, já chegamos ao terceiro mundo? Recordo-me de ver um congénere em funções, sozinho, muito singelamente à espera de voo num aeroporto e até disponível para responder calmamente a quem o ia questionar. Estávamos nos tempos duros da troika e a pessoa em causa era Vitor Gaspar, provavelmente muito mais exposto a animosidades do que o atual.

Desconheço o que a PGR sabia ou suspeitava para ir cheirar de perto as ligações de Centeno com o Benfica, até posso acreditar que tenha ocorrido algum exagero, mas o que me escandaliza não é este processo e o seu arquivamento. O que me escandaliza é o arquivamento do Freeport e dos submarinos, dando um exemplo de cada lado para ninguém ficar a rir. Esses sim, provocam-me muito indignação.

Prefiro de longe esta PGR que “cheira” por excesso do que a anterior que apagava por defeito.

03 fevereiro 2018

Eles também escrevem

Entre as pessoas que fazem os livros que efetivamente lemos, os tradutores não costumam ter a visibilidade e o reconhecimento merecido. A tarefa não é tão simples como se pode imaginar à partida, sendo a sua influencia sobre a qualidade do trabalho final enorme.

Que o diga eu, escala a respeitar, quando me entretenho a traduzir umas linhas do Camus ou do Brel. Há sempre ali uma palavra ou outra a dar luta e a música de cada a frase que precisa de funcionar. Tratando-se de um romance completo, a precisar de “música” no mesmo tom do princípio ao fim, é obra!

Reli há pouco um romance traduzido de um autor que ultimamente ataco pelo original... e que deceção. Uma coisa penosa, de tão mau soar. Uma tradução destrutiva. Mais recentemente reli o Dostoivesky aqui ilustrado, traduzido pelos Guerra. O texto conquista-nos desde a primeira linha. A trabalho deles é notável.

Como um executante musical que interpreta uma peça criada e escrita por outro, o tradutor interpreta e de certa forma personaliza uma obra. Deveriam ter mais destaque e reconhecimento.